Reinaldo Azevedo: Exército retoma o ‘padrão Riocentro’ de apreço pela verdade

Maus militares já mancharam a honra das Forças em outras circunstâncias

Numa nota vergonhosa, pusilânime, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o comandante da Força, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, “analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente” por Eduardo Pazuello “acerca da participação em evento realizado na cidade no Rio de Janeiro no dia 23 de maio de 2021”. É incentivo à baderna.

E qual foi mesmo a desculpa de Pazuello para subir no palanque de Jair Bolsonaro? Segundo ele, não se tratava de um evento político-partidário porque o presidente ainda não está filiado a nenhum partido. Maus militares já mancharam a honra de suas respectivas Forças em muitas outras circunstâncias. Ocorre-me uma, em particular, em que nada sobrou além de desmoralização.

Na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro, uma bomba explodiu, por acidente, no Puma GT em que estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado. O primeiro morreu. O segundo se feriu gravemente. Outra bomba explodiu na miniestação elétrica que fornecia energia ao local. O SNI culpou organizações de esquerda —as mesmas que, ora vejam!, promoviam no local um show de resistência em homenagem ao 1º de maio.

O inquérito policial-militar não chegou a lugar nenhum. Reaberto o caso em 1999, o Superior Tribunal Militar chegou à conclusão estupefaciente, no ano seguinte, de que o atentado terrorista praticado pelos dois militares, em associação com outros, estava coberto pela Lei da Anistia. E tudo foi arquivado. Não há espaço para entrar em minudências. Os argumentos eram tão sólidos como os de Pazuello.

Por que apelo a um caso extremo? Porque, mais uma vez, o Partido Militar é sócio do poder. Parcerias sempre carregam tensões. O capitão reformado que, na ativa, chegou a imaginar ataques terroristas a instalações militares em razão de insatisfação salarial, já demitiu nove generais da reserva —em alguns casos, tentando lhes impor a desonra.

E daí? O alinhamento ideológico e as vantagens objetivas dessa sociedade se sobrepõem, então, à própria noção de honra. Ainda que tenha havido descontentamento no Alto Comando —parte dele defendeu com ênfase a punição a Pazuello—, o fato é que todos concordaram em deixar a decisão nas mãos de Nogueira de Oliveira. E ele fez o que fez. Bolsonaro deixou claro que considerava uma afronta pessoal a punição a um auxiliar seu.

Não serão apenas os milhares de mortos desse período que acabarão por pesar nos ombros das Forças Armadas —do Exército em particular. Restará também o óbvio incentivo à indisciplina e à bagunça, de desdobramentos ainda incertos. Militares responsáveis, que estivessem, de fato, empenhados em garantir a lei e a ordem, já teriam mobilizado suas respectivas áreas de inteligência para combater a evidente politização dos quartéis e das PMs —que são, afinal, forças auxiliares do Exército por determinação constitucional.

É certo que não mais haverá golpe militar no Brasil com a plasticidade típica dos tempos em que a América Latina era comandada por gorilas. Mas esse não é o único caminho que leva à destruição da democracia. O ataque criminoso da PM de Pernambuco contra manifestantes pacíficos ainda resta sem explicação. E, no entanto, está plenamente explicado.

As ações subversivas de Bolsonaro estão em curso. A tese de que as instituições são sólidas e podem resistir a esses desaforos está começando a virar mera rotina burocrática. Se crimes contra as instituições e os direitos fundamentais vão se repetindo sem a devida punição, então o poder legal se transforma em mera fachada de cumplicidade.

O ato de que Pazuello participou, de fato, não era exatamente político-partidário. Bolsonaro comandou uma manifestação golpista ao lado do general. Afirmou então: “O meu Exército Brasileiro jamais irá à rua para manter vocês dentro de casa. O meu Exército Brasileiro, a nossa PM e a nossa PRF. É obrigação nossa lutar por liberdade, democracia. O nosso exército são vocês. Mais importante do que o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário é o povo brasileiro”.

Por enquanto, temos as urnas. (Folha de S. Paulo – 04/06/2021)

Reinaldo Azevedo, jornalista, autor de “O País dos Petralhas”

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