Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em profundidade os setores da Educação e da Saúde no Brasil, forçam algumas reflexões.

A primeira delas tem que ver com essa lógica de submeter a Sociedade Civil ao Estado. Pior: ao poder, pura e simplesmente. O projeto, como nos tempos do autoritarismo, é a perpetuação de uma casta no poder. Os interesses populares são uma condição absolutamente secundária. Um detalhe. Estamos, mais uma vez, diante da boa e velha tradição sebastianista.

O impressionante é que faixas consideráveis das chamadas “esquerdas” comprem essa lógica. Alguns por cinismo ou interesse pessoal. Outros por não enxergarem bem o que de fato está em jogo, ou seja, a subordinação do Estado à sociedade e não o contrário. O velho Marx, ao analisar o caráter da Comuna de Paris, em 1871, concluiu que esse movimento significou a vitória da sociedade sobre a esfera estatal. Esse era o projeto dos insurretos e dos próprios marxistas. Em tempo: Paul Lafargue, genro de Marx, foi um dos líderes comuneiros.

Na Itália, no imediato pós-guerra, ninguém duvidava da força moral, política e também militar do Partido Comunista. O PCI possuía 400 mil homens em armas. Mas o secretário-geral da agremiação, Palmiro Togliatti, tinha plena consciência de que a realidade interna não podia fazer frente ao quadro internacional. Ou seja, havia a Nato (OTAN) se formando, os acordos de Yalta impondo limites ao avanço do socialismo na Europa ocidental e própria a presença ideológica do Vaticano. O que fazer? Togliatti decidiu permanecer na oposição, pautando o Estado a partir da sociedade civil.

O culto ao Estado é um problema sério entre nós. Levou a própria esquerda de roldão. Os comunistas do PCB escaparam um pouco dessa lógica, talvez por conta de suas origens anarquistas, que valorizavam a sociedade civil. Afinal, oito dos nove fundadores do PCB vieram do anarquismo, a começar por Astrojildo Pereira.

Precisamos entender de uma vez por todas que o Estado não é sinônimo, necessariamente, de interesse público. Tudo depende de como ele é de fato administrado. E que Poder, por seu turno, tampouco é sinônimo de Estado.

Ir para o Estado, Governo ou Poder para bater de frente com os interesses da sociedade civil não se justifica em hipótese alguma. A não ser para a manutenção dos privilégios políticos de uma ínfima minoria.

Sepé Tiaraju, símbolo da chamada República comunista-cristã dos guarani, não esteve no Estado. Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, não esteve no Estado. Tiradentes, sacrificado nas lutas pela Independência do Brasil, não esteve no Estado. Luiz Carlos Prestes e Giocondo Dias, que dedicaram suas vidas às causas populares, tampouco estiveram no Estado. Dos grandes líderes nacionais brasileiros, somente José Bonifácio esteve no Estado, mesmo assim foi perseguido e preso, permanecendo por muito pouco tempo no Poder. Mas todos esses personagens encarnam a História do Brasil, os melhores valores da sociedade do seu tempo.

Uma coisa é certa: a sociedade é sempre maior do que o Estado.

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