Parlamento permanece disposto a impor limites à forma de governar do partido que encabeçou a chapa vitoriosa das últimas eleições
Recados importantes foram enviados pelos partidos de centro ao Palácio do Planalto nos últimos dias. Ao aprovar a urgência na tramitação do arcabouço fiscal por ampla margem na quarta-feira (17), mostraram que a Câmara dos Deputados pode, se e quando quiser, facilitar o caminho para as pautas econômicas do governo. A segunda mensagem, não menos importante, foi uma nova demonstração de que o Parlamento permanece disposto a impor limites à forma de governar do partido que encabeçou a chapa vitoriosa das últimas eleições.
Segue a insatisfação daqueles que querem compor a base do governo. Sem cargos e com menos recursos do Orçamento do que gostariam, alguns transformaram a tramitação das medidas provisórias que reformam as estruturas da Esplanada em mais um capítulo da disputa por espaços na máquina. Outros preferiram dar um voto de confiança ao Planalto e, agora, inevitavelmente reapresentarão suas faturas.
Na quarta-feira passada, o relógio marcava 18h21 quando o placar eletrônico da Câmara revelou o resultado da votação do requerimento de urgência do arcabouço: 367 deputados votaram a favor, 102 contra e um se absteve. A marca ficou dentro das previsões feitas nos principais gabinetes da Casa: uma liderança chegou a cravar que o resultado não ficaria aquém do patamar de 350 votos e poderia chegar a 370, no que seria um explícito recado aos articuladores políticos do governo.
Como um requerimento de urgência demanda o apoio de apenas 257 deputados para ser aprovado, o resultado carregava a mensagem subliminar de que o grupo que comanda a Câmara mantém-se capaz de assegurar os votos necessários para a aprovação até de emendas constitucionais. Nas entrelinhas, sinalizava-se também que uma parte considerável da Casa estaria aberta a negociar modificações no relatório do arcabouço para flexibilizar algumas das regras incluídas pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA) em seu parecer.
Caberia ao Planalto aproveitar essa janela. Em outras palavras, entre a votação da urgência e a análise do mérito da proposta, haveria tempo suficiente para o governo acelerar o atendimento dos parlamentares em relação às emendas ao Orçamento e no remanejamento de cargos na máquina federal.
Este último ponto, aliás, foi alvo de um outro importante recado dos deputados ao Palácio do Planalto: mais uma vez a classe política trabalha para manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob o guarda-chuva do Banco Central (BC) e longe de uma pasta chefiada por um político. No caso, o Ministério da Fazenda.
A briga é antiga. Em 2019, no início do governo Jair Bolsonaro, o Coaf foi deslocado do Ministério da Economia para o Ministério da Justiça, pasta que seria ocupada pelo ex-juiz da Lava-Jato e hoje senador Sergio Moro (União-PR). A mudança foi um alívio para a equipe econômica, que queria ficar longe da linha de tiro daqueles que poderiam se sentir incomodados com a atuação do Coaf no combate à lavagem de dinheiro. Porém, sem o crivo dos parlamentares ou apoio do então presidente da República, o Coaf retornou ao Ministério da Economia e depois acabou inserido na estrutura do BC.
A alteração foi vista como uma derrota de Moro, que tentava montar na pasta da Justiça uma estrutura com instrumentos para combater a corrupção. E uma reação daqueles que não queriam ver essas poderosas ferramentas nas mãos do ex-juiz que decidira migrar para a política.
A atual equipe econômica argumenta que tradicionalmente o Coaf sempre integrou a pasta da Fazenda, à exceção do governo Bolsonaro. E pondera que a proposta da atual administração conserva a autonomia técnica e operacional do Coaf, além de mantê-lo alinhado às práticas internacionais. Mas os congressistas não estão convencidos.
Embora os deputados tenham demonstrado disposição de dar ao ministro da Fazenda uma vitória relevante nas discussões sobre o arcabouço fiscal, não querem ceder a Fernando Haddad, político e presidenciável, um poder com o calibre do Coaf. A Câmara vai mostrando ao governo aonde ele pode chegar e quais serão os seus limites.
Dano colateral
A decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas veio em péssima hora para aqueles que torciam por uma rápida análise, no Senado, do nome que o presidente Lula escolherá para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Está fresca na memória a dificuldade que a indicação de André Mendonça enfrentou em 2021, em razão de desentendimentos entre o governo Bolsonaro e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (União-AP). Mendonça teve que esperar quase cinco meses até ter seu nome aprovado.
Alcolumbre permanece à frente do poderoso colegiado, e já disse que lutará com todas as suas forças para fazer prevalecer os interesses de seu Estado. O Amapá é uma das unidades da federação diretamente interessadas na exploração da chamada margem equatorial. (Valor Econômico – 24/05/2023)