Vinicius Torres Freire: Aumenta o risco de inflação ainda alta em 2022

A safra de grãos do Brasil seria recorde. O preço do petróleo subiria apenas um pouquinho mais. Com sorte, os reservatórios das hidrelétricas encheriam ao menos a ponto de se evitar racionamento ou aumentos extras da conta de luz.

Faz uma semana, se escrevia nestas colunas que o gato da inflação começava a espiar o telhado. Agora, meros sete dias depois, o bicho começou a subir a escada.

Sabia-se que a safra de grãos não seria recorde. As notícias pioraram. O preço do milho sobe. A safra de soja vai pior do que o esperado. É seca num lugar, chuva em excesso noutro. Rações animais e óleos, pois, ficam mais caros; falta pasto. O feijão vai ficar caro.

O preço da arroba do boi está nas alturas históricas a que chegou no ano passado (na média do último mês, 21% mais cara que no início de 2021). Segundo pesquisadores do Cepea, a volta das vendas para a China sustenta os preços da carne. O Cepea é o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da USP.

A inflação no atacado volta a subir em janeiro, engordada especialmente de minério de ferro e soja. Há ainda o risco de interrupções em fábricas e portos na China, por causa da ômicron, adiarem a volta ao normal do abastecimento de peças e insumos para a indústria. Como se não bastasse, há o petróleo.

O preço do barril (tipo Brent) passou dos US$ 88 nesta terça-feira (18). Tinha havido um refresco no final do ano passado, quando o Brent raspou nos US$ 70. Desde o início do ano, subiu mais de 12% e passou do valor mais alto em 2021.

O problema de fundo é restrição de oferta, acompanhada de recuperação da economia mundial, que continua (mas não mais no Brasil).

A Opep, com apoio da Rússia e de outros amigos, aumenta a produção de modo comedido; alguns países nem conseguem produzir a “cota” do cartel. Talvez o rumor de confusão na Ucrânia ajude a elevar o preço do barril.

Seja qual for o motivo, o problema de base é cartel, é política. Alguém pode imaginar Vladimir Putin se comovendo com as queixas de Joe Biden sobre a inflação mundial?

Sim, a chuva também levou mais água para os reservatórios das hidrelétricas do centro-sul. A esta altura do ano, não estavam tão cheios desde 2016. Não é lá grande coisa, mas a hipótese de crise desastrosa, racionamento, passou e bem. No entanto, o custo da luz está nas alturas, e ainda haverá aumentos por anos, pois a conta da escassez do ano passado, entre outros problemas, está represada.

O ano está no comecinho, e parte desses prejuízos pode ser compensada, em tese. Mas a hipótese de baixa mais rápida da taxa de inflação (que ainda seria de uns 5% no final deste 2022) está indo rápido para o vinagre. A alta terrível de juros e a estagnação econômica vão segurar preços. Obviamente, não é um consolo.

A conversa fiada e as mentiras sobre os preços dos combustíveis voltaram ao noticiário político, mesmo durante as férias da turma. Jair Bolsonaro mente mais ainda: voltou a dizer que a carestia é causada pelo ICMS e, patranha ainda mais descarada e ignara, por casa da roubalheira na Petrobras.

Gasolina e diesel estão caros porque a Petrobras cobra preços do mercado mundial, traduzidos pelo preço do dólar no Brasil. Ponto. Na média de dezembro, o dólar fechou em nível próximo dos picos de 2021 e 2020. Antes disso, real tão desvalorizado apenas se vira no rescaldo da crise da eleição de Lula 1, em 2003.

O dólar vai ficar mais barato, de modo relevante? Improvável, pois Bolsonaro está no poder, avacalhando o governo e uma eleição que já seria tumultuada, com o capital estacionado fora do país, esperando que bicho vai sair das urnas. (Folha de S. Paulo – 19/01/2022)

Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

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