Editorial Estadão: Os imprudentes pressionam o Senado

Em 2021, o Senado notabilizou-se não apenas pela instauração da CPI da Covid, mas também por colocar, em várias ocasiões, os devidos freios a ações do Executivo federal e da Câmara dos Deputados. Em tempos conturbados como os atuais, a Casa tem sido importante elemento moderador, seja por recordar limites institucionais, seja por assegurar um mínimo de cuidado na tramitação de propostas legislativas controvertidas.

Naturalmente, esse papel de prudência e responsabilidade do Senado encontra oposição em quem não deseja prudência, tampouco responsabilidade. Nos últimos dias, governo federal e presidência da Câmara aumentaram o tom das críticas contra o Senado, em descarada tentativa de atribuir à Casa a culpa pelo descumprimento do teto dos gastos, na jogada para viabilizar o aumento do valor do Auxílio Brasil. É grave essa manobra para inverter responsabilidades.

Na segunda-feira passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explicitou o discurso diversionista. “Eu preferia que o Senado tivesse votado o Imposto de Renda (IR), que nós tivéssemos feito hoje um programa permanente dentro do teto”, disse Lira, referindo-se ao projeto de lei que altera a cobrança do Imposto de Renda. Na semana anterior, o presidente da Câmara já tinha reclamado que o Senado “não quer taxar quem ganha muito e não paga nada”.

O projeto de reforma do IR tem impacto direto sobre a atividade econômica, os investimentos privados e a receita dos três níveis da Federação. É assunto que merece especial cuidado. A tramitação na Câmara foi atabalhoada, para dizer o mínimo. No momento em que foi votado, o texto final do projeto nem sequer era conhecido pelos deputados, que votaram sem saber o que seu voto representava para o Estado e para os cidadãos. Só depois os parlamentares descobriram que a redação aprovada na Câmara significava perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$ 19,3 bilhões para Estados e municípios.

Não corresponde aos fatos, portanto, dizer que o Senado é o responsável pelo descumprimento do teto dos gastos em razão da não aprovação da reforma do IR. Ora, não votar atropeladamente o texto aprovado pelos deputados é rigorosa manifestação de responsabilidade fiscal. Se tivessem simplesmente chancelado o que veio da Câmara, os senadores teriam complicado ainda mais as finanças públicas.

A tática de responsabilizar o Senado pela atual situação fiscal também foi usada pelo governo federal. No domingo passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comentou a respeito do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG): “Ele precisa avançar com a reforma (administrativa), ele precisa nos ajudar a fazer as reformas. Ele não pode fazer militância”.

O governo Bolsonaro é esquisito. Não trabalha para aprovar nenhuma reforma. Seu objetivo explícito é apenas prover instrumentos para a reeleição de Jair Bolsonaro. No entanto, quando pressionado sobre suas incongruências, reclama dos outros. O ministro da Economia, que descumpriu desavergonhadamente seu compromisso de respeitar o teto de gastos, tenta agora iludir a população com novos diversionismos. Além de não ser uma reforma administrativa – chamá-la assim é enganoso –, a atual PEC propondo alterações do funcionalismo não alivia as contas públicas de 2022, uma vez que suas propostas atingem apenas novos funcionários.

A especial relevância política do Senado neste ano não se deu por se curvar aos interesses do Palácio do Planalto. Sua contribuição ao País veio precisamente por meio do cumprimento independente de suas atribuições institucionais. Foram vários os episódios de responsabilidade do Senado. Por exemplo, a não votação às pressas da nova legislação eleitoral, a rejeição liminar do pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes e a devolução da MP 1.068/2021, que alterava o Marco Civil da Internet.

É grande a pressão para que o Senado tolere e contribua com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Que o compromisso da Casa continue a ser com a Constituição e com o País. (O Estado de S. Paulo – 27/10/2021)

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