No ano passado, Bolsonaro disse que acabou com a Lava Jato porque não havia mais corrupção. A realidade é diferente
Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro tem feito afirmações contundentes a respeito da inexistência de corrupção no governo federal. Diz não apenas que extinguiu os malfeitos, mas que a alegada probidade deu folga para os órgãos de controle. “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, disse Bolsonaro em outubro do ano passado.
Parece, no entanto, que as afirmações de Jair Bolsonaro não contavam com o sistema de freios e contrapesos, próprio de um Estado Democrático de Direito. Com três meses de CPI da Pandemia, apareceram escândalos envolvendo a negociação e a compra de vacinas contra a covid. E a população já entendeu que a realidade é um pouco diferente daquela defendida repetidamente por Jair Bolsonaro.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, 70% dos brasileiros acreditam que há corrupção no governo Bolsonaro. Questionados sobre o Ministério da Saúde – aquele no qual o presidente Jair Bolsonaro trocou duas vezes a chefia até encontrar alguém que o obedecesse cegamente –, 63% dos entrevistados afirmaram acreditar que existe corrupção na pasta.
Além disso, a percepção da maioria da população não é a de que o presidente da República estava alheio à corrupção. Para 64% dos entrevistados, Jair Bolsonaro sabia dos malfeitos praticados dentro do Ministério da Saúde. Apenas 25% disseram acreditar na tese, também utilizada por Luiz Inácio Lula da Silva, de que o presidente da República não sabia de nada.
O assunto está sendo agora investigado oficialmente. Após notícia-crime apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por três senadores, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou e a Polícia Federal abriu inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no episódio escandaloso da compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.
É estranho, no entanto, que, a despeito do discurso sobre a inexistência de mau uso de verbas públicas em seu governo, Jair Bolsonaro reitere os motivos para duvidar da alegada lisura. No sábado passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro foi a Porto Alegre participar de uma motociata em defesa de sua reeleição. Obviamente, a movimentação de Jair Bolsonaro para sua campanha de 2022 tem custos, que não podem ser financiados com recursos da Presidência da República.
Desde que Lula tentou usar a máquina pública para a reeleição, a Justiça Eleitoral tem afirmado que gastos de campanha devem ser financiados pelo partido do candidato, e não pelos cofres públicos. Por exemplo, se o presidente da República vai a um evento de campanha, o combustível da aeronave deve ser pago por quem financia sua campanha, e não pelos recursos federais. Quem pagou a viagem de Jair Bolsonaro a Porto Alegre e todos os demais gastos envolvidos?
Com a ajuda da CPI da Pandemia, a cada dia que passa é mais fácil entender por que o governo federal se opôs o quanto pôde à sua instauração. E mais de dois terços da população entenderam que o discurso sobre corrupção é um e a realidade, outra. Quem não entendeu até agora o que se passa foi o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Depois da divulgação de pesquisa do Instituto Datafolha indicando que a maioria dos brasileiros é favorável ao impeachment de Jair Bolsonaro, Arthur Lira reiterou sua posição de aliado do Palácio do Planalto. “Não temos condição de um impeachment para esse momento. O Brasil não deve se acostumar a desestabilizar a política em cada eleição”, disse o presidente da Câmara no sábado passado.
Não é o impeachment que desestabiliza a política. No caso, o impeachment é para tirar quem vem desestabilizando não apenas a política, mas as próprias eleições de 2022, com ameaças e chantagens. Antes, alguém podia pensar que toda a confusão do bolsonarismo era para esconder a incompetência de Jair Bolsonaro ou para consagrar alguma estranha ideologia, que tenta de todos os modos atrapalhar o próprio governo. Agora, no entanto, a maioria da população já entendeu que existem outros motivos para ameaçar as eleições. (O Estado de S. Paulo – 13/07/2021)