Editorial do Estadão: Armadilha fiscal como herança

A avidez com que o presidente Jair Bolsonaro busca apoio e votos para reeleger-se custará caro para quem ocupar a Presidência da República a partir de 1.º de janeiro de 2023 – mesmo que seja ele mesmo, embora as pesquisas indiquem que, no momento, essa não é a hipótese mais provável. De vantagens tributárias para setores econômicos e segmentos sociais que Bolsonaro considera parte de sua base política a promessas de benefícios para grupos mais amplos, vai se formando um conjunto de bondades que imporão aumento de gastos ou quebra de arrecadação. Uma armadilha fiscal está sendo sistematicamente montada pelo governo com objetivos puramente eleitorais. Se não desmontada a tempo pelo próximo presidente, tornará muito mais difícil a superação dos problemas que o País enfrenta, e que poderão piorar. O legado de devastação que este governo deixará e tem sido descrito nesta página é formado também por promessas populistas que agravarão os problemas financeiros do setor público.

O aumento de 5% para todos os servidores federais é um exemplo perfeito da armadilha montada pelo governo e retrata com perfeição o modo de agir de Bolsonaro quando se trata de conquistar apoio eleitoral – que tem sido seu único objetivo desde que tomou posse. O problema começou com a promessa de aumento restrito a carreiras ligadas à segurança, área de particular interesse do presidente. Para isso, foi reservada verba de R$ 1,7 bilhão no Orçamento de 2022.

Como era previsível, outras categorias do funcionalismo, especialmente as mais organizadas e mais bem remuneradas, protestaram e passaram a exigir aumentos. Temendo a ampliação de paralisações ou operações-padrão que já prejudicavam a liberação de cargas nos portos e aeroportos, impediam a divulgação de relatórios econômico-financeiros e podiam comprometer o atendimento nos postos do INSS, o governo anunciou o aumento linear de 5% para todos os funcionários.

As diferentes categorias reagiram ao anúncio, por considerarem a correção insuficiente diante da inflação de mais de 10% ao ano. As que já estavam mobilizadas disseram que continuarão a exigir reajustes maiores. E as que seriam beneficiadas pelo aumento anunciado inicialmente por Bolsonaro – policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários federais – também reclamaram, porque o novo reajuste é muito menor do que estavam esperando.

Há risco de que, diante da resistência dos servidores, o índice de correção seja alterado ou benefícios específicos sejam concedidos para algumas carreiras. Do ponto de vista orçamentário, não há recursos suficientes nem para pagar o aumento de 5% que já vem gerando protesto em todo o serviço público. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 reservou R$ 11,7 bilhões para o aumento do funcionalismo. Nas contas do secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, o reajuste linear anunciado implica gastos adicionais de R$ 12,6 bilhões no ano que vem. Só aí já faltam R$ 900 milhões.

O pagamento dos precatórios agendado para 2023 também não está adequadamente programado, o que poderá resultar em despesas adicionais na casa dos bilhões de reais. No ano passado, numa lambança legal e fiscal sintetizada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, o governo Bolsonaro destruiu o teto de gastos ao abrir, malandramente, espaço para gastos acima do limite máximo inscrito na Constituição. “O teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de austeridade”, disse na ocasião o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Isenções ou reduções expressivas de alíquotas de tributos, como o IPI, e a prometida elevação do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física tendem a ser medidas permanentes, mas sua justificativa, o aumento da arrecadação, tem efeito momentâneo.

“Existe a necessidade de ajuste fiscal”, reconhece o secretário de Tesouro e Orçamento. Parece voz isolada num governo que demonstrou total irresponsabilidade na área fiscal. (O Estado de S. Paulo – 20/04/2022)

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