O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles
Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.
Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.
Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.
A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).
Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.
A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.
A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.
Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-Bolsonaro ou anti-Lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.
Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já. (O Estado de S. Paulo – 14/10/2021)
WILLIAM WAACK, JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN