Luiz Carlos Azedo: Questão ambiental reposicionará o Brasil no mundo

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Há muitos recursos no mundo para a Amazônia, que foram desperdiçados durante os anos de governo Bolsonaro

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva é a estrela da Cúpula do Clima das Nações Unidaes (COP27), no Egito, que marca sua volta à grande política mundial em grande estilo. Fará seu primeiro pronunciamento em fórum internacional como presidente eleito e tem encontros confirmados com o secretário geral da ONU, António Guterres, o presidente egípcio, Abdel Fattah El-Sisi, e com lideranças de outros países interessados em auxiliar no combate ao desmatamento.

O evento Carta da Amazônia sinalizará para o mundo uma guinada na política ambiental, reunindo Lula e os governadores da região: Gladson Cameli (PP), do Acre; Waldez Góes (PDT), do Amapá; Mauro Mendes (União Brasil), de Mato Grosso; Helder Barbalho (MDB), do Pará; Wanderlei Barbosa (Republicanos), do Tocantins; e Marcos Rocha (União Brasil), de Rondônia.

Os governadores devem entregar um plano de ação para controle do desmatamento como parte de um movimento para conseguir financiamento e realinhamento internacional após a derrota de Jair Bolsonaro (PL). Há muitos recursos no mundo para a Amazônia, que foram desperdiçados durante os anos de governo Bolsonaro, em sua aliança com garimpeiros, pecuaristas, madeireiros e outros desmatadores.

A principal questão global da atualidade é a emissão de gases do efeito estufa, grande responsável pelo aquecimento global e as mudanças climáticas. O seu impacto no desenvolvimento mundial é transversal e provocou uma mudança de paradigmas.

“O Governo Biden busca implementar um ‘green new deal’, a despeito da acirrada e equivocada oposição republicana; a Europa patrocina inúmeras iniciativas buscando a emissão zero; a China é hoje líder em tecnologia fotovoltaica, em transporte ferroviário avançado e a maior reflorestadora do planeta”, observa o economista Guilherme Accyoli que, durante dez dos 37 anos em que trabalhou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi um dos gerentes do Fundo Amazônia.

“Essas iniciativas não contribuem apenas para o combate às emissões (embora seja a mais importante), mas, crucialmente, geram tecnologia, dinamismo econômico e aumento na eficiência. Vão crescer e formar um novo paradigma econômico e tecnológico, porém, tendem a criar um novo fosso entre os detentores dessas tecnologias, desses novos setores e processos, e as demais sociedades.”

Segundo Accyoli, o avanço tecnológico pode minorar os danos causados pelas emissões. “Infelizmente, dado o volume de carbono já existente na atmosfera, algum aquecimento já está contratado, é irreversível”, lamenta. “Entretanto, o expressivo incremento na eficiência da produção de energia elétrica renovável, principalmente solar e eólica; a tendência à eletrificação quase total dos transportes e aquecimento, os novos materiais e técnicas construtivas, os novos processos de produção de alimentos, eventualmente a retirada de estoque de carbono da atmosfera, são soluções parciais que podem se articular e minorar o problema, evitando a catástrofe climática”.

Desmatamento

Mas, há razões para esse otimismo. Com exceção dos últimos quatro anos, nenhum outro país reduziu tanto suas emissões de carbono como o Brasil, com Marina Silva e Isabel Teixeira à frente do Ministério do Meio Ambiente. O diferencial brasileiro é a soberania sobre 60% da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Isso faz com que cerca de 44% de nossas emissões de gases de efeito estufa decorram do que se chama de mudança de uso da terra, ou seja, o desmatamento.

“Ora, é muito mais fácil e barato — portanto, mais eficiente — combater o desmatamento do que alterar os sistemas energético, de transporte, de padrão construtivo, de produção de alimentos, embora isso deva ocorrer. O Brasil fez isso, com competência e planejamento, no período 2004/2012, quando reduziu o desmatamento na Amazônia em espantosos 84% e, consequentemente, suas emissões em 67%. Pode fazer de novo, ao mudar o rumo desastroso que vínhamos seguindo”, avalia Accyoli.

Há 38 milhões de brasileiros na Amazônia, cerca de 12% da população, em condições em geral precárias, que desejam e merecem uma vida mais próspera. Não adianta isolar e tratar a floresta como um parque intocado. É inviável politicamente e ineficaz. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que orientou a espetacular redução no desmatamento na Amazônia, deve ser retomado. A chave é a adoção de uma política que combine controle ambiental, com repressão às ilegalidades, e iniciativas que tornem a floresta em pé mais valiosa do que sua derrubada.

“É exatamente nesse segundo ponto que se abre a oportunidade de criar uma economia da floresta, gerando produtos, tecnologias e externalidades. É literalmente incalculável o potencial para descobertas farmacológicas e químicas a partir da biodiversidade da Floresta Amazônica. Em vez de explorar a região com pecuária de baixíssima produtividade ou com a extração de minérios — ambos insustentáveis, fadados à extinção —, investir e criar tecnologia, conhecimento, riqueza de verdade”, destaca o ex-gerente do Fundo da Amazônia. (Correio Braziliense – 15/11/2022)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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