O papel a que as Forças Armadas se prestaram na questão das urnas eletrônicas foi vergonhoso
Embora eu fique desconfiado quando ouço Lula pontificar contra a responsabilidade fiscal, penso que as críticas ao petista são precipitadas. Ele ainda não definiu nem quem comandará a economia nem a linha exata que seu governo perseguirá.
Como político conciliador formado no sindicalismo, Lula adapta seus discursos à audiência e atrasa as decisões que explicitam perdas até o último momento. Não é porque ele critica a contenção de gastos que vai necessariamente promover a farra fiscal. Teremos de ser pacientes para saber para que lado a balança penderá.
É numa outra área que o jeitão conciliador de Lula me deixa mais preocupado. O petista deverá buscar a acomodação com os militares e meu receio é que, ao fazê-lo, ele deixe de tomar medidas que me parecem necessárias.
É verdade que nossos generais não embarcaram numa aventura golpista com Bolsonaro, mas daí não se segue que sua atitude tenha sido exemplar. Eles abusaram de imprudências, ambiguidades e até de flertes com caminhos extrainstitucionais.
O papel a que as Forças Armadas se prestaram na questão das urnas eletrônicas foi vergonhoso. Deixar de punir o general Pazuello, que cometera transgressão disciplinar diante dos olhos de todos, e ainda decretar sigilo sobre o caso foi um tapa na cara do próprio Exército.
Para afastar o espectro do intervencionismo militar, acho que precisaríamos de um pacote de medidas. Eu começaria restringindo fortemente a participação de militares da ativa e da reserva remunerada em cargos na administração. Também reforçaria as regras contra manifestações políticas. Penso que é só após a reforma que generais devem ser autorizados a dizer qualquer coisa que lhes venha à cabeça, não enquanto ainda têm ascendência sobre as tropas. Por fim, eu reformularia bastante os cursos de formação de oficiais.
É disso que o país precisaria, mas temo que Lula optará por não pisar no calo de ninguém. Pena. (Folha de S. Paulo – 23/11/2022)