O presidente Bolsonaro saiu da bancada do Jornal Nacional sem grandes prejuízos, embora tenha repetido afirmações inverídicas e dado números sobre a economia que não refletem a realidade. Sua grande virtude foi não ter perdido as estribeiras, como costuma fazer quando é contrariado.
Houve no Rio um professor universitário famoso por seu conhecimento, mas também por seus muitos tiques, que se sobrepunham ao que ensinava. Certo dia, ele resolveu se controlar e passou a aula inteira sem tiques, surpreendendo seus alunos. No final da aula, ele foi visto atrás de um biombo tendo um ataque de tiques.
Com o presidente Bolsonaro acontece o mesmo. Há dias, ele está se controlando para não ter ataques nervosos, pois sentiu que seu ataque às urnas eletrônicas estava lhe tirando apoios dos eleitores. Ontem, na bancada do Jornal Nacional, ele, relutantemente, aceitou afirmar que aceitará o resultado das eleições, mesmo que perca. Tentou recuar, — “desde que as eleições sejam limpas” —, mas viu que não seria um bom passo.
Minimizou os ataques de seus seguidores às instituições, atribuindo-os à liberdade de expressão. Mas em nenhum momento ele perdeu o controle, mesmo quando defendia uma indefensável política de combate à pandemia de Covid. Nem mesmo a política ambiental tirou Bolsonaro do sério, embora tenha defendido que a ação do governo não é responsável pelo maior desmatamento da Amazônia. Mas admitiu que será preciso fazer um trabalho para mudar a má imagem que o Brasil tem hoje no exterior.
De qualquer maneira, continuou defendendo a necessidade de os habitantes locais manterem sua subsistência com a atividade agropecuária, atribuindo a isso a maior parte das queimadas. Comparou as queimadas na Amazônia com as que acontecem nessa época na Europa e na Califórnia, o que não tem nenhum tipo de comparação possível.
Não levou em consideração a ação dos garimpeiros ilegais. Para não dar a sensação a seus eleitores que havia capitulado, foi incisivo em algumas situações, acusando Bonner de propor que se tornasse um ditador, numa tosca tentativa de justificar sua parceria com o Centrão, que ele repudiava na campanha de 2018. Bolsonaro chegou a ser engraçado quando disse que no seu tempo não existia o Centrão, quando o grupo foi formado na Constituinte de 1988.
Também manteve a mesma postura quando falou-se do escândalo do MEC, com pastores envolvidos em uso ilegal do dinheiro publico para garantir financiamento a políticos. Alegadamente, segundo um dos pastores, a mando do presidente Bolsonaro. Confrontado com a inconstância de ministros no ministério da Educação, que está no quinto ministro, ele deu uma resposta esdrúxula: “só se sabe que o sujeito não tem jeito para aquilo quando ele chega lá”.
Tentou afirmar que não há corrupção no seu governo, e que ele não interfere nos órgãos fiscalizadores como o Coaf, a Receita Federal e a Polícia Federal. Os bolsonaristas estão comemorando, pois, na visão deles, foi possível apresentar um Bolsonaro verdadeiro, espontâneo, bonachão. Pode ser que essa seja a imagem que passou para os milhões de brasileiros que bateram o recorde de audiência ontem do Jornal Nacional. Mas muitos outros fizeram um panelaço durante a entrevista, marcando a posição contrária.
Talvez até mesmo indecisos possam ter mudado de opinião, se não se dispuserem a depurar com visão crítica algumas respostas claramente contrárias à realidade. O mesmo fenômeno provavelmente acontecerá com os petistas quando chegar a vez do ex-presidente Lula, e a bancada do Jornal Nacional não existe para acabar com a polarização, mas para tentar mostrar desencontros e incoerências dos candidatos.
Bolsonaro foi desmentido diversas vezes pelos fatos mostrados por William Bonner ou Renata Vasconcellos, como quando negou que tivesse xingado ministros do Supremo, ou que tivesse imitado pessoas com dificuldade de respirar devido à Covid. Manteve a defesa de sua política de combate à pandemia, minimizando, como fez sempre, os efeitos desastrosos da demora da compra das vacinas ou ter desestimulado a vacinação.
No final, parecia aliviado e ainda encontrou jeito de fazer piada, dizendo que queria continuar mais tempo, como se estivesse à vontade. Não estava, embora tenha tido condições de se controlar, o que acabou lhe valendo um desempenho proveitoso diante de milhões de brasileiros. (O Globo – 23/08/2022)