Fernando Gabeira: O combustível da insensatez

O desejo de conquistar eleitores produziu um psicodrama político em busca de soluções para conter o preço da gasolina. Tudo indica que os atores reconhecem seu fracasso, mas se esforçam para mostrar que deram tudo para evitar a derrota.

Talvez, lá atrás, tenha havido uma modesta saída, a formação de um fundo com os dividendos do governo, sócio majoritário da Petrobras, destinado a suavizar o aumento dos preços, determinado pela conjuntura internacional. Agora, é tarde, e as tentativas de última hora parecem cenas de um teatro do absurdo.

Durante duas semanas, o Congresso Nacional se dedicou a aprovar uma redução de ICMS para baixar os preços. Todos sabiam que eles estavam defasados e que, no primeiro movimento de atualização, a Petrobras neutralizaria com um novo aumento qualquer variação de ICMS. Resultado: Congresso funcionando custa dinheiro, Estados com menos recursos para educação, saúde e segurança, e, em termos de preço na bomba, resultado nulo.

No fim de semana, Bolsonaro levantou a hipótese mais fantástica: uma CPI da Petrobras. No seu discurso, intimidava os sócios minoritários com um prejuízo de R$ 30 bilhões, como se alguma CPI mágica pudesse produzir perdas para os minoritários sem atingir o sócio majoritário, que é o Estado.

Bolsonaro anunciava orgulhosamente um movimento para atingir o próprio governo que dirige – algo inédito.

Alguns analistas acharam que a oposição também apoiaria o governo para atingir a Petrobras. Felizmente, isso não aconteceu. Seria algo mais extraordinário ainda: governo e oposição juntos tentando liquidar uma empresa pública.

As tentativas não param por aí. Líderes reunidos tentam aumentar o imposto de exportação para estimular o refino no interior do País. Mas e as refinarias que faltam? Será que brotariam de agora até o momento das eleições? Pergunta inútil porque, na verdade, o resultado não interessa, mas apenas o movimento, a encenação que transmite ao eleitor a falsa ideia de que seu desejo será satisfeito.

Por mais que o governo se lance contra dirigentes que ele próprio indicou para a Petrobras, por mais que se crie a confusão, será muito difícil de escapar do desgaste provocado pela gravidade da crise econômica, da qual o preço do combustível é apenas um importante componente.

Interessante observar como nos debatemos neste labirinto no momento em que a Colômbia troca de governo e o presidente eleito, Gustavo Petro, se dispõe exatamente a reduzir a dependência de combustíveis fósseis e caminhar para uma economia de baixo carbono.

E a Colômbia é logo ali: de Tabatinga (AM) a Leticia basta andar alguns metros. As preocupações, no entanto, distam milhares de quilômetros.

Seria, é claro, inadmissível não tratar do preço dos combustíveis neste momento. Todos os governos o fizeram. Mas o ideal é que isso fosse discutido com base técnica e com uma visão realista. Talvez por esse caminho se atenuasse o impacto no bolso de todos, principalmente os mais vulneráveis. Mas, num ano de eleição, além deste necessário movimento imediato, é preciso olhar para a frente.

Não podemos continuar agindo como se a gasolina fosse um combustível eterno. Nem acreditar que as estradas rodoviárias são as únicas que podem escoar produtos.

Está mais do que na hora de combinar esforços fundamentados para reduzir os preços, mas também as medidas de transição para um futuro de baixo carbono, em sintonia com os esforços para viabilizar a vida humana no planeta.

Limitar-se a neutralizar o preço da gasolina, com recursos limitados, é uma batalha de Sísifo. Hoje, o preço está alto porque há uma guerra; amanhã, se terminar a guerra, o preço pode aumentar porque crescerá o otimismo econômico. Sem contar com o fato de que bilhões de dólares estão sendo investidos numa economia menos poluente e qualquer estímulo ao uso do petróleo servirá, também, para neutralizar o que se gastou até agora.

Verdade é que a guerra embaralhou um pouco as tentativas de progresso. Há um impulso para produzir mais petróleo fora da Rússia; e a redução do gás que os alemães importavam os faz retroceder ao consumo de carvão.

Mas a janela que se abriu com governos voltados para o futuro, como é o caso do Chile e o da Colômbia, pode indicar uma etapa na América Latina.

No caso colombiano, o esforço de realizar a transição para a economia de baixo carbono pode abrir possibilidades de cooperação continental.

Sem contar o fato de que, ao lado da questão energética, um outro tema nos aproxima não só dos colombianos, como de outros vizinhos: a Amazônia, com seus grandes desafios de preservação, sustentabilidade e segurança, diante do poderio do crime organizado.

Tanto a economia de transição para o baixo carbono como o desenvolvimento sustentável da Amazônia são grandes avenidas de oportunidade. Temas bem maiores do que um único e, até o momento, inútil esforço para baixar o preço do petróleo.

O desespero de Bolsonaro o leva a se perder em iniciativas tão estúpidas como a de uma CPI da Petrobras. A oposição não pode acompanhá-lo nesse abismo. (O Estado de S. Paulo – 24/06/2022)

FERNANDO GABEIRA, JORNALISTA

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