NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
O que há entre o depoimento do deputado Osmar Terra (MDB-RS) na CPI da Covid no Senado e o confronto entre índios e forças policiais na Câmara dos Deputados? Por trás dos dois episódios, existe um darwinismo social muito perigoso, porque afronta os valores civilizatórios e os direitos humanos. Terra disfarça, mas continua sustentando a tese da imunização de rebanho, que até agora orienta a estratégia do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus; o episódio da Câmara desnuda o caráter eugenista da agenda governista “vamos passar a boiada” nas terras indígenas, encampada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra é médico e sempre foi bem conceituado entre os parlamentares da Frente da Saúde, mas, no governo Bolsonaro, assumiu posições cada vez mais criticadas por seus colegas médicos da área de saúde pública. Ontem, reiterou as posições que pautam o presidente da República: criticou o lockdown, culpou os governadores pelas mais de 500 mil mortes registradas desde o início da pandemia, disse que o contágio acontece dentro das casas das famílias e que “o vírus vivo provoca mais anticorpos do que o vírus morto”, ou seja, que as pessoas infectadas estão mais protegidas do que as vacinadas. Mais imunização de rebanho, impossível!
Durante a pandemia, Terra fez previsões que influenciaram decisões do Ministério da Saúde e estavam completamente erradas: por exemplo, que a doença mataria menos de 800 pessoas e que a pandemia duraria apenas 12 semanas. Sustentou que os números de novos casos e mortes tinham se estabilizado no segundo semestre do ano passado e que o país foi surpreendido por uma nova cepa, o que também não ocorreu: a pandemia nunca foi controlada. Negou a existência de um “Ministério da Saúde paralelo” e que influencia Bolsonaro, apesar de terem se encontrado 20 vezes para tratar do assunto.
Eugenia
Indígenas entraram em confronto com policiais militares e legislativos, no início da tarde de ontem, durante uma manifestação em frente ao Anexo II da Câmara, em Brasília, porque foram impedidos de entrar no Congresso para acompanhar a votação da Projeto de Lei (PL) 490/2007, por ordem do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O projeto abre as terras indígenas para grandes projetos de exploração econômica e inviabiliza, na prática, novas demarcações. Cerca de 800 indígenas, representando 40 povos, estão em Brasília e participam do Levante Pela Terra, mobilização em defesa dos seus direitos constitucionais, ameaçados pela PL 490.
Cinco pessoas ficaram feridas no confronto, três policiais — dois legislativos e um PM — e dois indígenas, segundo a Polícia Legislativa. Um policial legislativo foi atingido por uma flechada na perna e um servidor administrativo foi ferido no tórax; um policial militar levou uma flechada no pé. Segundo a PM, durante o ato, policiais legislativos do Congresso atiraram bombas de gás. Os militares foram acionados para evitar mais confronto. As lideranças indígenas afirmam que os ataques aconteceram no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.
Dois indígenas (um homem e uma mulher) estão no Hospital de Base em Brasília, com ferimentos graves. Uma dezena de crianças, idosos e mulheres tiveram ferimentos leves e estão em atendimento na tenda da saúde do Acampamento Levante pela Terra (ALT), ao lado do Teatro Nacional. Segundo os indígenas, eles realizavam uma marcha pacífica pela Esplanada dos Ministérios, quando foram recebidos com bombas de gás e efeito moral, a partir de uma barricada montada pelo Batalhão de Choque na entrada do Anexo 2 da Câmara.
O darwinismo social é uma doutrina de evolução da sociedade que se baseia na teoria da evolução desenvolvida por Charles Darwin (1808-1882), no século XIX. Na virada para o século XX, o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), que antes de Darwin pensou no tema da evolução, defendeu a existência de sociedades superiores às outras: as que sobressaem física e intelectualmente devem se tornar as governantes; as menos aptas deixariam de existir, por não acompanhar a evolução da sociedade. Trata-se, obviamente, de um pensamento preconceituoso e racista, que serviu para explicar o domínio imperialista europeu e legitimar o colonialismo. O nazismo e a eugenia (melhoria genética) resultaram dessa tese. Na pandemia, também a ideia de que “os mais fracos morrerão”, que está por trás da teoria da imunização de rebanho; de igual maneira, a tese eugenista de que “os índios precisam ser civilizados”. (Correio Braziliense – 23/06/2021)