Início Site Página 1094

Elucidação do caso Marielle “pode ser apenas o fio da meada para algo mais amplo”, diz ex-ministro

0

Elucidar o caso Marielle, diante da captura de partes das instituições do Estado por uma aliança satânica entre o crime organizado, a política e a corrupção no Rio de Janeiro, é fundamental, avalia Raul Jungmann, em entrevista à Revista Política Democrática Online

“É fundamental desvendar o caso Marielle, mas ele pode ser apenas o fio da meada para algo mais amplo. Como imaginar que os dois suspeitos presos, profissionais com possível ligação com o “escritório do crime”, tenham passado três meses planejando o assassinato motivados apenas por “motivo torpe”, uma motivação de ódio?”, questiona Raul Jungmann, o entrevistado especial da sexta edição da Revista Política Democrática Online (veja aqui) da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, sucessor do PPS.

Jungmann, um dos fundadores do PPS, já foi vereador, deputado estadual, deputado federal e ocupou diversos cargos importantes nos governos FHC e Temer, tendo sido Ministro da Defesa e Ministro da Segurança Institucional neste último.

Na entrevista à Revista Política Democrática Online, Raul Jungmann também comenta a situação atual do Rio de Janeiro por conta do crime organizado, particularmente as milícias, que dominam de 800 a 830 comunidades da capital fluminense e a sobre a intervenção federal, que durou 10 meses e foi tomada pelo então presidente Michel temer com base em um instrumento da Constituição de 88, que nunca fora testado antes.

A crítica situação da Venezuela também é um dos temas tratados por Raul Jungmann na entrevista. Para ele, “processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos têm de contar com as garantias de quem é oposição que, quando chegar ao governo, não vai punir quem agora é governo e, efetivamente, vai deixar de ser”, avalia.

“Isso é uma coisa absolutamente central e, no caso da Venezuela, uma debilidade”, completa.

De acordo com o ex-ministro, “nem a oposição tem condições de assegurar a incolumidade, a não perseguição, a integridade, seja o lá o que for, desses que estão no poder, sobretudo o estamento militar, e tampouco, do lado de lá, há a percepção de que quem está hoje fazendo oposição terá condições de assegurar isso”. (Assessoria FAP)

Aprovado pedido de audiência de Marcos do Val para debater Lei do Audivisual

0

A CCT (Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) do Senado aprovou requerimento do senador Marcos do Val (Cidadania-ES) para a realização de audiência pública com o objetivo de debater a Lei do Audiovisual.

A audiência, ainda sem data agendada, deve ser conjunta com a CE (Comissão de Educação, Cultura e Esporte)

A Lei do Audivisual (Lei 8.685) permite que sejam deduzidas do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas as quantias referentes ao patrocínio à produção de obras audiovisuais brasileiras de produção independente.

De acordo com Marcos do Val, o objetivo da audiência é “discutir com a sociedade, órgãos públicos e entidades a necessidade de nova prorrogação da Lei do Audiovisual, dada sua importância no fomento da atividade audiovisual de produção independente brasileira”.

Desde sua promulgação, em 1993, a Lei do Audiovisual tem sido um importante “mecanismo de captação de renda para a realização de filmes criados por produtoras independentes.

Inicialmente prevista para durar até o ano de 2003, a Lei do Audiovisual recebeu constantes prorrogações, sendo a última realizada por meio da Lei nº 13.594, de 5 de janeiro de 2018, resultado da conversão da Medida Provisória nº 796, de 2017. Essa lei prorrogou seus efeitos até o fim de 2019.

Convidados

Para a audiência devem ser convidados o secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Medeiros Pires; o presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Christian de Castro; o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav), Leonardo Edde; e o presidente da Brasil Audiovisual Independente (Bravi), Mauro Garcia.

Luiz Sérgio Henriques: A cidade e os bárbaros

0

É preciso tornar à ideia da grande aliança contra os que corroem as bases da democracia liberal

No ato final do comunismo histórico, a partir de 1989, um breve e conhecido texto de Norberto Bobbio, O reverso da utopia, conseguiu dar forma e sentido ao espantoso espetáculo que então se encenava. O mais radical dos sonhos políticos da História – dizia Bobbio – havia se transformado em distopia à moda do pesadelo imaginado por Orwell. Mesmo distantes dos grandes crimes do stalinismo, os regimes inspirados na revolução bolchevique, a URSS em primeiro lugar, arrastavam-se penosamente num quadro de ineficiência econômica, pasmaceira social e autoritarismo político, no qual se abria um fosso insuperável entre ideia e realidade, palavras e fatos, grandes ideais e realidades prosaicas da vida.

As populações submetidas sublevaram-se, em geral pacificamente, em torno das mais elementares – e insubstituíveis – consignas democráticas, como a liberdade de pensamento ou de reunião. As tentativas de autorreforma, como a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), mostraram-se afinal incapazes de dar um sopro de vida a regimes esclerosados, ainda que possivelmente tenham contribuído para a saída relativamente indolor de uma situação histórica difícil. Vivia-se o momento inaugural de um mundo que os mais otimistas, ou os mais ingênuos, julgavam livre dos conflitos abertos por uma restrita e quase inapelável visão bipolar. Como sabemos, ser adepto do comunismo ou do capitalismo era mais do que ter um credo político: implicava escolhas de vida, definia destinos individuais, de um lado ou de outro da “cortina de ferro”.

A sabedoria do velho Bobbio, contudo, não descartava pura e simplesmente o comunismo e os comunistas. Estes seriam, como no extraordinário poema de Kaváfis, os bárbaros cuja presença ameaçadora, às portas da cidade, condicionava a rotina de todos, paralisava as ações, congelava tudo numa atmosfera de ansiedade e medo. E, agora, a ausência dos bárbaros – pois subitamente a notícia é que não mais viriam – implicava um chamamento brutal à realidade. Não havia mais inimigos e a vida, como requer outro verso notável, devia ser vivida como uma ordem, sem mistificação.

Num plano mais geral – perguntava-se ainda o filósofo –, as democracias saberiam dali por diante responder aos imensos problemas que tinham gerado a utopia que, no curso do tempo, se transformara no seu exato contrário e fora vencida? Conseguiriam por si sós, sem o medo incutido pelo adversário temível, ampliar as liberdades, enfrentar novas e velhas desigualdades que dividiam norte e sul do planeta e, ao mesmo tempo, voltavam a se ampliar no interior de cada sociedade, mesmo as do Ocidente desenvolvido?

Bárbaros e habitantes da cidade, para seguirmos a sugestão do sábio e a metáfora do poeta, não haviam sido jamais seres indiferentes uns aos outros. Os bárbaros de 1917, ao assaltarem os céus, invocavam frequentemente o extremismo jacobino da revolução burguesa de 1789. Distinguiam-se com veemência dos girondinos do próprio campo. A velha social-democracia, afinal, era o tronco comum de que agora se afastavam ruidosamente os bolcheviques, para quem todos os outros passavam a ser “renegados” da causa proletária. E sobre esses traidores deveria recair um anátema ainda mais virulento do que o dedicado aos inimigos de classe. Uma esquerda afeita ao confronto nascia aí, motivando seus gestos extremados com a expectativa messiânica da revolução mundial.

Nos anos 1930, em textos até mesmo de comunistas heréticos, impressiona o uso mais ou menos corrente de palavras como “total” ou “totalitário”. O seu marxismo, ainda que se desviasse da ortodoxia, também se pretendia a matriz integral de uma nova civilização. Ele bastava a si mesmo, recusava acréscimos externos. O Estado soviético, que parecia imune a crises como a de 1929, podia ter uma forma política tosca, primitiva. Não importava: havia quem dissesse, pragmaticamente, que a pior ditadura do proletariado era sempre preferível à melhor democracia burguesa…

A similitude com o Estado hitlerista era patente. O partido único, a arregimentação militarista das massas, o culto irracional ao líder carismático, entre outros elementos aterradores, confirmavam a semelhança e pretendiam atestar a obsolescência das formas democráticas. A superioridade racial apregoada de um lado parecia corresponder, grosso modo, à situação do lado adversário, em que uma classe supostamente universal construía seu próprio Estado e se arrogava o direito de submeter – ou liquidar, como no caso dos camponeses – grupos sociais inteiros.

No entanto, a esquerda jacobina convertida em Estado, que dividia o mundo em campos inconciliáveis e, por isso, era bárbara, tinha elementos que a levavam além do confronto e do desafio sectário. Às vezes, como no caso das frentes populares antifascistas, aproximava-se dos socialistas e dos “democratas burgueses” e via-se obrigada a questionar seus próprios dogmas, a imaginar caminhos diferentes do que tomara em 1917 e a levara a condescender com formas “totais” de poder. Apesar de si mesma – isto é, apesar dos traços odiosos da sua rudimentar construção estatal –, esteve maciçamente ao lado do Ocidente democrático e contribuiu de modo inestimável para vencer o mal absoluto. Stalin à parte, todo democrata em algum momento se sentiu drummondianamente irmanado “com o russo em Berlim”.

Esta breve memória talvez ajude a entender por que, depois do comunismo, há múltiplas razões para uma esquerda agora sem a menor complacência com as sociedades “totais”, sem excluir as que resistem anacronicamente. Nos países democráticos, as fúrias voltam a se desatar, os moedeiros falsos retomam o labor de sempre e os demagogos desempoeiram velhos figurinos. Por isso é preciso tornar à ideia da grande aliança contra todos os que se mobilizam para corroer as bases da democracia liberal. (O Estado de S. Paulo – 21/04/2019)

Gil Castello Branco: Você sabe com quem está falando?

0

Após chegar ao Brasil, Dom João VI, em oito anos, distribuiu mais títulos nobiliárquicos do que em todos os 300 anos anteriores da Monarquia Portuguesa. Um título de barão, conde ou duque abria portas nos altos escalões da sociedade. Nem todos tinham intimidade com o Rei, mas ser amigo de amigos do Rei já era um valioso passaporte para o mundo dos negócios e os favores da Corte. Os nobres eram reverenciados e achavam-se superiores. Daí à soberba foi um passo. A prepotência e a intenção de subjugar o interlocutor geraram a infame pergunta: “Você sabe com quem está falando?”.

Lembrei-me da Corte e dos nobres tupiniquins quando da instauração do já batizado “inquérito fake”, no estilo “prendo e arrebento” da época da ditadura. Sem objeto delimitado, sem que os fatos (sejam eles quais forem) tenham ocorrido na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), com relator indicado (sem sorteio) e tocado à revelia do Ministério Público Federal (MPF), o STF se colocou como vítima, investigador, acusador e juiz. Na minha opinião, investigação inconstitucional que tem por essência a intimidação de procuradores, jornalistas e movimentos sociais. A indagação da vez é: “Vocês sabem de quem estão falando?”. Sem considerar a aloprada — felizmente já revogada — incursão pela censura. Na prática, o inquérito tirano não intimida, e sim, envergonha. Com respeito à Suprema Corte, rasguem-no!

A banda de rock mineira “Pense” criou música e letra para a pergunta, “Você sabe com quem está falando?”. Em um trecho, alerta: “Esse é o discurso pra te pôr pra baixo com medo e culpa; mas só causa efeito quando se acredita na falácia de quem te julga. Não fique calado, não se acovarde, essa é nossa luta! Somos aqueles que ainda acreditam na mudança de consciência”.

Muitas autoridades, porém, não têm consciência e não querem qualquer mudança. Abusam e servem-se do poder. Como mostrou O GLOBO, na Câmara dos Deputados, novas excelências mantêm velhos hábitos. Até março, já tinham sido concedidos 155 passaportes diplomáticos, dos quais 78 para parlamentares e 77 para seus filhos e cônjuges, sem qualquer ônus, diga-se de passagem. Se considerados os passaportes emitidos em anos anteriores ainda válidos, existem 917 documentos nas mãos de deputados e de seus parentes. O Ministério das Relações Exteriores afirma que há em vigor uma portaria de 2011 que restringe a emissão de passaportes para familiares de deputados. Imaginem o que estaria acontecendo se a portaria não estivesse vigente…

Os mandatos ainda estão no início, mas os deputados já gastaram quase R$ 5 milhões para divulgar suas “realizações” Contrataram serviços de marketing digital, publicações em sites, jornais e revistas, além da confecção de panfletos e informativos. O valor é maior do que os R$ 4,8 milhões pagos até março para “monitoramento e alerta de desastres naturais”

Voltando às viagens, em 2015 foi editado decreto para impedir a ida e volta dos ministros e autoridades às suas residências, nos aviões da Força Aérea Brasileira, nos fins de semana, lembram-se? Não vingou. Entre maio de 2016 e março de 2017, o MPF constatou que dos 781 transportes realizados, 238 tiveram como destino/origem as cidades de residência dos ministros/autoridades, com a justificativa de necessidade de “segurança” e “serviço”. Dizem que há brecha no decreto.

No rol de abusos, o governador de Brasília, Ibaneis Rocha, editou, há 15 dias, decreto instituindo uma “carteira funcional digital”, para a cúpula do governo. No caso do próprio governador e do seu vice, também eram beneficiados parentes até o segundo grau. A “carteirada” oficial de filhos, avós e netos, ridicularizada na imprensa e nas redes sociais, foi revogada.

Enfim, desde o Império convivemos com os privilégios e a empáfia de alguns “nobres” A pergunta intimidadora “Você sabe com quem está falando?” perdura há séculos. Mas a sociedade brasileira está acordando e já começa a enfrentar aqueles que se imaginam acima do bem e do mal com uma pergunta simples: Quem você pensa que é? (O Globo – 23/04/2019)

Andrea Jubé: “Imprensa brasileira, tamo junto aí!”

0

Para quem acompanha as vicissitudes do relacionamento de Jair Bolsonaro com a imprensa, surpreendeu o armistício proposto na semana passada, na esteira do debate sobre censura e liberdade de expressão: “Imprensa brasileira, tamo junto aí! Esse namoro, esse braço estendido estará sempre à disposição de vocês, um abraço a todos aí!”

O presidente reconheceu os “percalços” na relação, mas argumentou que governo e jornalistas precisam se entender “para que a chama da democracia não se apague”. Ensinou: “Melhor uma imprensa capengando do que sem ter imprensa”. Um contraste ante as declarações do candidato recém eleito, que contrariado com uma sequência de matérias investigativas, ameaçou cortar verbas de publicidade de um jornal de grande circulação. “Na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal”, ameaçou.

O pano de fundo da aparente nova postura é a batalha da comunicação, que tem de um lado o grupo alinhado ao filósofo Olavo de Carvalho e ao vereador Carlos Bolsonaro, e do outro, a ala militar que responde institucionalmente por essa área no governo.

Desde o incidente do famigerado vídeo da “golden shower” no Carnaval, a cúpula militar interveio para que o presidente adequasse sua conduta à liturgia do cargo. O cessar-fogo, o tom moderado adotado nas sete “lives” que protagonizou em sua conta no Facebook, resultam das diretrizes de comunicação instituídas pelos generais responsáveis pela área: o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros.

Ambos são egressos da “escola de comunicação” do general Eduardo Villas Bôas, que sempre defendeu relações amistosas com a imprensa no posto de comandante do Exército (2015-2019). Villas Bôas hoje despacha no Gabinete de Segurança Institucional, ao lado do ministro, general Augusto Heleno. Ambos são bússolas de Bolsonaro no governo.

Foi por indicação de Villas Bôas que Rêgo Barros tornou-se o porta-voz do governo. Seu bordão remete a São Francisco de Assis: “Paz e bem”.

Logo após o episódio da “golden shower”, os generais tomaram as rédeas da comunicação. Por isso, é sintomático que a interação ao vivo de Bolsonaro com os eleitores – por meio das “lives” no Facebook – tenha começado dois dias após a postagem desastrosa do vídeo obsceno. E foi significativo que Bolsonaro aparecesse no vídeo entre Augusto Heleno e Rêgo Barros, como avalistas da chamuscada imagem do presidente.

E foi nessa conjuntura de aparente pacificação que eclodiu a nova crise de comunicação, provocada por uma publicação de Carlos Bolsonaro, contrapondo Olavo à ala militar. Um vídeo com novas ofensas do professor aos militares foi postado – e depois apagado – na conta de Bolsonaro no YouTube. O conteúdo foi replicado pelas contas de Carlos.

No vídeo, o guru dos Bolsonaro diz que a última contribuição das escolas militares para o ensino brasileiro foram os livros de Euclides da Cunha. Acusa os “milicos” de entregaram o Brasil aos comunistas, de criarem o PT e não terem coragem de confessar.

Foi o estopim de uma tensão que vinha numa escalada havia semanas, com a subsequente postagem de insultos do filósofo ao vice-presidente Hamilton Mourão e ao ministro Santos Cruz.

Houve duas consequências: a primeira, uma nota oficial de Bolsonaro divulgada ontem respondendo as críticas de Olavo aos militares. “Suas recentes declarações contra integrantes dos poderes da República não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento de objetivos propostos em nosso projeto de governo”.

A segunda consequência foi o novo anúncio de Carlos – considerado o filho mais influente – de se afastar do controle das redes sociais do pai. A publicação do vídeo de Olavo é atribuída a ele nos bastidores. O aviso foi publicado em tom enigmático na noite de domingo, com uma estocada na cúpula militar. “Começo uma nova fase em minha vida. Longe de todos que de perto nada fazem a não ser para si mesmos. O que me importou jamais foi o poder. Quem sou eu neste monte de gente estrelada?”

O “monte de gente estrelada” é uma possível referência aos generais que, mais do que titulares de ministérios relevantes, consolidaram-se como fiadores do governo.

O controle de Carlos sobre as contas pessoais do pai sempre incomodou a ala militar, pelo conteúdo muitas vezes incompatível com o cargo de presidente. A primeira crise foi quando Carlos chamou o então ministro Gustavo Bebianno de “mentiroso” no Twitter. A conta do presidente replicou a ofensa. A segunda grande polêmica foi a publicação do vídeo pornográfico no Carnaval.

O problema é que no meio dessa guerra, não tem céu de brigadeiro pela frente. A promessa de Carlos de se afastar das redes sociais do pai é reprise de um filme velho: na transição, especulou-se que ele assumiria a Secretaria de Comunicação Social, com status de ministério. Mas sua nomeação configuraria nepotismo. Então ele declarou que não queria cargo, e avisou: “desde ontem não tenho mais, por iniciativa própria, qualquer ascensão [sic] às redes sociais de Jair Bolsonaro”. A ameaça nunca se confirmou.

Há duas semanas, Bolsonaro admitiu em entrevista à rádio Jovem Pan que o filho controlava suas contas nas redes sociais. “Ah o pitbull? Tá atrapalhando o quê, não me atrapalhou em nada, acho até que devia ter um cargo de ministro”, disse o presidente. “Ele que me botou aqui, foi realmente a mídia dele que me botou aqui, e muita gente quer afastá-lo de mim”, lamentou.

Por isso, apesar do anúncio no Twitter, Carlos dificilmente se afastará das redes sociais do pai. Como bom pitbull, ele ladra e morde.

Resta às alas conflagradas no governo seguir a recomendação do presidente em sua última “live”, a propósito da Páscoa: “É para refletir, pensar no próximo e perdoar”. Ele se despediu com “um grande abraço nos homens e um beijo nas mulheres”. (Valor Econômico – 23/04/2019)

Andrea Jubé é repórter de Política em Brasília – E-mail: andrea.jube@valor.com.br

Luiz Carlos Azedo: Quem lidera?

0

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Ao estudar os tipos de liderança existentes na sociedade, o filósofo e sociólogo alemão Max Weber buscou o arquétipo das lideranças carismáticas no guerreiro bárbaro: o mais valoroso, audaz e astucioso seria escolhido para chefe, porque as mais dolorosas experiências ensinaram que, sem chefe para a batalha, a horda levaria a pior, seria derrotada e dizimada pelo inimigo implacável. Entretanto, Weber amplia essa tipificação da dominação carismática para os profetas e os demagogos e a contextualiza no processo civilizatório, no qual o exercício do poder exige legitimidade e legalidade.

Grosso modo, as lideranças carismáticas estão associadas a revoluções: Robespierre, Marat e Danton na Revolução Francesa; Oliver Cromwell na Revolução Puritana; e Martinho Lutero na Reforma Protestante. Ou a regimes autoritários: Benito Mussolini, na Itália; e Adolf Hitler, na Alemanha. Mas isso é relativo, porque já exerciam esse tipo de liderança antes de chegarem ao poder. No Brasil, os exemplos clássicos de lideranças carismáticas são encontrados nos sertões do Nordeste, com Lampião, Antônio Conselheiro e Padre Cícero; na política, em Getúlio Vargas, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Essas lideranças ganharam fama devido às façanhas que realizaram e aos meios de comunicação, a chamada grande imprensa, o rádio e a televisão. O presidente Jair Bolsonaro é uma novidade: seu carisma está associado à emergência das redes sociais. O problema da liderança carismática quando chega ao poder pelo voto, porém, são os de sempre: a legitimidade e a legalidade. É aí que as coisas começam a se complicar. Num governo democrático, não basta o carisma popular do líder, é preciso que ele exerça a liderança pela competência na tomada de decisões e pela capacidade de coordenação de sua própria equipe.

O Estado democrático moderno é uma forma de dominação legal-racional muito sofisticada, cuja legitimidade se estabelece constitucionalmente. Conta com uma burocracia estruturada, com competências, limites e funções exclusivas e bem definidas, que opera de acordo com as atribuições do cargo e não a partir da fulanização das relações de poder, que é uma espécie de “humanograma” estabelecido a partir de critérios extralegais, ou seja, de acordo com os caprichos do líder.

Esgarçamento

Boa parte dos problemas do governo Bolsonaro decorre dessa contradição entre o exercício de uma dominação carismática, de um lado, e necessidade de respeitar as regras do jogo para que as coisas deem certo. No momento, na máquina administrativa, a opção de Bolsonaro é virar a mesa para domar a burocracia. Para isso, recorre aos militares, mais afeitos à hierarquia legal-racional, mas viciados no “quem manda aqui sou eu”, e aos partidários ideológicos, cuja maioria é neófita nos jogos de poder e está mais perdida do que cachorro que caiu do caminhão de mudanças.

Outra dificuldade enfrentada por Bolsonaro está na sua relação com as lideranças tradicionais, ou seja, a maioria dos políticos e, perdão para o “tipo ideal”, a magistratura. O velho patriarcado brasileiro, que se reproduz secularmente, ainda é uma força decisiva no Congresso e está encastelado no Judiciário, haja vista os sobrenomes que desfilam pelo Congresso ou lideram as bancas de advocacia.

Nem mesmo o partido de Bolsonaro foge à regra, muito bem representado na bancada do PSL pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, deputado federal eleito por São Paulo, trineto da princesa Isabel e tetraneto do imperador Dom Pedro II. Preterido pelo general Hamilton Mourão (PRTB) para o posto de vice, faz parte do grupo de amigos de Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente da República.

Mourão, a propósito desse conflito, volta à ribalta das disputas palacianas ao dar um chega pra lá no ideólogo do clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho, que verbaliza o que os filhos do presidente pensam sobre os militares que tentam tutelar seu pai. No domingo, um vídeo no site do presidente da República exibia fortes críticas do guru aos militares; ontem, Mourão respondeu ao ataque, mandando Olavo cuidar de astrologia, para não falar outras coisas.

No fim da tarde, o porta-voz Otávio do Rêgo Barros divulgou nota do presidente Jair Bolsonaro, na qual afirma que as declarações “não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento de objetivos propostos em nosso projeto de governo”; ao mesmo tempo, destaca que Olavo “teve um papel considerável na exposição das ideias conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela esquerda e que tanto mal fez ao país”. Passados 100 dias de mandato, a liderança de Bolsonaro na equipe que formou começa a dar sinais de esgarçamento; não há sintonia entre o racional-legal, o carisma e a tradição. (Correio Braziliense – 23/04/2019)

Acordo entre governo e caminhoneiros evita greve marcada para o dia 29

0

Governo fecha acordo com caminhoneiros e evita paralisação

Entidades irão fiscalizar e denunciar empresas que não cumprirem tabela do frete

Heloísa Negrão, Julio Wiziack – Folha de S. Paulo

Depois de quatro horas de reunião, dirigentes das onze principais centrais sindicais de caminhoneiros autônomos conseguiram fechar um acordo com o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Freitas.

Em resposta ao último reajuste do diesel nas refinarias, os caminhoneiros presentes defendiam uma paralisação no dia 29. Após a negociação, a greve foi suspensa.

O governo se comprometeu a implementar a política de frete mínimo e, a partir desta terça-feira (23), os caminhoneiro terão poder de denunciar ao ministério, sem risco de penalidades, as empresas que descumprirem a política de preço mínimo.

“De fevereiro para cá já teve o reajuste de mais de 10% nas bombas e o gatilho não foi acionado. Ele [Freitas] se comprometeu a resolver isso essa semana”, disse.

Hoje, quando reportam as infrações para a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), os caminhoneiros também são multados. O valor é R$ 550. Pelo acordo fechado nesta segunda-feira (22), eles estarão livres dessa autuação.

“Teremos mais poder de pressão agora”, disse Carlos DelloRarosa, presidente do Sindicam (Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens) de Londrina (PR).

Segundo Dellarosa, os caminhoneiros não poderão ameaçar as empresas, mas poderão fazer o transporte sem risco de serem autuados. “Não tinha cabimento”, disse.

“Eu carrego o meu caminhão, se o embarcador não me pagar o piso, pego os documentos, ligo para o sindicato, que faz uma cópia desses papéis e um protocolo, depois leva direto para o ministério da Infraestrutura, ao invés de levar para a ANTT”, afirmou o caminhoneiro de Curitiba (PA) Wanderlei Alves, conhecido como Dedéco.

Depois de passar pela análise do ministério, ainda segundo o caminhoneiro, a denúncia seguirá para a agência de transportes efetuar a multa em até 30 dias.

De acordo com o presidente da CNTA (Confederação Nacional dos Transportes Autônomos), Diumar Bueno, durante o encontro, o ministro Tarcísio gravou um vídeo que foi disparado pelas redes de Whatsapp dos representantes sindicais. Nela, o ministro se compromete em cumprir o acordo.

Logo em seguida, os cerca de 30 representantes sindicais ligados à CNTA dispararam o vídeo para os caminhoneiros desmobilizando a paralisação.

Em vídeos da reunião obtidos pela Folha, um dos caminhoneiros presentes exige que o ministro dê uma resposta imediata sobre o preço do diesel. O ministro então afirma que não existe uma “fada madrinha, que bate com a varinha de condão na Petrobras e sai o óleo diesel. Nós importamos derivados [de petróleo]”.

A trégua deve durar cerca de dois meses, segundo Bueno, prazo para que o governo consiga implementar a nova política de frete mínimo, que terá novos padrões de cálculo. O novo critério está sob consulta pública.

“Até lá, valerá a regra vigente”, disse Bueno. “O ministro se comprometeu a repassar para o frete todos os reajustes feitos pela ANTT desde o início do ano.”

Segundo ele, os cálculos ainda serão feitos, mas estima-se que o piso do frete deve sofrer uma alta entre 10% e 17%.

O frete mínimo foi estabelecido em maio de 2018 como forma de pôr fim à paralisação dos caminhoneiros e estabelece que, sempre que a alta for superior a 10%, será repassada ao frete.

Bueno disse ainda que a negociação vale para os caminhoneiros autônomos.

A afirmação explica o descontentamento da categoria com as negociações que o governo vinha mantendo com líderes de caminhoneiros ligados a empresas.

Ainda segundo ele, se o governo não cumprir a promessa dentro do prazo estipulado, as negociações serão reabertas com uma pressão por paralisação geral muito mais forte.

RACHA

A decisão de chamar representantes de vários estados e caminhoneiros influentes na categoria partiu da CNTA, que buscou aumentar a representatividade do encontro.

A categoria está dividia sobre os líderes que negociam com o governo.

Muitos dos caminhoneiros presentes na reunião desta segunda (22) foram recebidos pela primeira vez pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL).

O governo conversou nas últimas semanas com o grupo liderado por Wallace Landim, o Chorão, de Catalão (GO).

As medidas negociadas por este grupo não têm agradado a todos os caminhoneiros, que colocam em dúvida a representatividade de Landim.

De acordo com Landim, o grupo rival quer se opor ao governo e representa a união de entidades de classe “desgastadas e com futuro abreviado” e “lideranças avulsas que tentam se erguer e [possuem] as costas quentes de interesses partidários e sindicais”.

Às voltas com a possibilidade de uma nova paralisação, o governo busca acalmar os caminhoneiros e nas últimas semanas vem divulgando benesses para os motoristas.

Em março, o presidente Bolsonaro anunciou um prazo maior (quinzenal) para o reajuste do diesel, a criação de um cartão pré-pago para abastecer nos postos da Petrobras, além de melhoria nas estradas e criação de pontos de descanso.

Na semana passada, o governo afirmou que faria ainda ações para a categoria. Como a abertura de uma linha de crédito de R$ 30 mil para os autônomos e maior rigor para fiscalização do cumprimento do valor do frete.

Críticos a essas medidas afirmam que as medidas não resolvem o problema imediato da categoria que é o alto preço do diesel e a falta de fiscalização.

Lei Rouanet: Governo reduz teto de captação de projetos culturais de R$ 60 mi para R$ 1 mi

0

O Ministério da Cidadania anunciou nesta segunda-feira (22) as novas regras para o financiamento de projetos culturais por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. A medida já havia sido adiantada pelo presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais na semana passada.

Segundo anúncio feito pelo ministro da pasta, Osmar Terra, o teto de valores financiados ficará em R$ 1 milhão. Até então, o limite é de R$ 60 milhões. Também foi reduzido o volume máximo de recursos que uma mesma empresa poderá receber para viabilizar projetos: de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões.

De acordo com o ministro a lei vai passar a se chamar simplesmente “Lei de Incentivo à Cultura”.

A nova regra não inclui projetos de patrimônio tombado (como restauração de construções), construção de teatro e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de museus e orquestras. Terra acrescentou que eventos populares (como feiras de livros e festivais como o de Parintins) terão “tratamento especial”.

Pelas novas regras, os projetos financiados devem prever de 20% a 40% de ingressos gratuitos. Esses devem ser distribuídos preferencialmente a pessoas inscritas no cadastro único (o cadastro que reúne beneficiários de programas sociais federais, como o Bolsa Família). O valor dos ingressos populares, que era de R$ 75, vai cair para R$ 50.

Um dos objetivos é reduzir a concentração de recursos destinados aos estados Rio de Janeiro e São Paulo. Por isso, a previsão é que haja mecanismo de estímulo a projetos realizado integralmente nos demais estados. Além disso, deve haver a promoção de editais focados em cultura regional, a serem elaborados em parceria com empresas estatais que fizerem uso dos mecanismos de incentivo.

Foi incluída a obrigação para os promotores contemplados pelo incentivo de realizar ações educativas relacionadas ao projeto aprovado. O ministro afirmou que as prestações de contas anteriores estão sendo examinadas e que as novas serão realizadas pela Internet. (Agência Brasil)

CCJ da Câmara deve votar nesta terça-feira relatório da reforma da Previdência

0

O relatório sobre a reforma da Previdência, do deputado federal Marcelo Freitas (PSL-MG), deve ir à votação nesta terça-feira (23), na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, em sessão marcada para as 14h30.

Nesta segunda-feira (22), a líder do governo no Congresso Nacional, deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), disse que estão sendo negociadas alterações no texto da reforma da Previdência ainda na CCJ da Câmara. Ela evitou adiantar quais pontos serão mexidos na proposta.

“Se for preciso dar um pequeno passo para trás, para dar 10 passos à frente, é muito mais inteligente fazer essa negociação”, afirmou ao chegar ao Palácio do Planalto para se reunir com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Na semana passada, o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), disse que o governo aceitou retirar pontos da reforma na CCJ, como o fim do pagamento da multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e do recolhimento do fundo do trabalhador já aposentado que voltar ao mercado de trabalho. Outra modificação em negociação é a retirada do ponto que possibilita que a alteração de idade de aposentadoria compulsória de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) seja feita por meio de lei complementar.

Para Hasselmann, qualquer ponto do texto pode ser objeto de negociação, desde que a “espinha dorsal” da proposta seja mantida.

“É possível conversar em torno desse ponto e qualquer outro ponto. O governo não está se furtando de conversar ou abrir mão de qualquer ponto desde que seja mantida a nossa espinha dorsal. Estamos repetindo isso, é R$ 1 trilhão [de economia], pronto e acabou. Se desidratar mais do que isso, a gente já não vai ter um impacto, pelo menos para dar uma tranquilidade durante décadas para o País”, disse.

Ainda segundo a líder, o mérito da reforma da Previdência, com eventuais outras mudanças, tem que ser discutido no âmbito da comissão especial, e não na CCJ, que analisa apenas a constitucionalidade da medida.

“O que não dá é para o governo eventualmente ceder num ponto e haver uma série de outros pedidos. Então, essa coisa de pedir sem fim a mexida do texto na CCJ, isso não pode acontecer”, disse. (Agência Brasil)

Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (23/04/2019)

0

MANCHETES

O Globo

Previdência – Por votos, governo cede, mas mantém a meta da reforma
Bolsonaro recua e critica fala de Olavo sobre militares
Greve de caminhoneiros é descartada após reunião
Toffoli: inquérito irá para o Ministério Público Federal
País tem 11% menos acidentes nas estradas no feriado
Desconfiança e ausência de incentivo fiscal freiam doações
Cultura: Teto de captação da lei de incentivo cai de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão

O Estado de S. Paulo

Governo atende Centrão e espera que CCJ vote reforma
Sob pressão de militares, Bolsonaro critica Olavo
Toffoli vai mandar ao MPF conclusão de inquérito
Frete atrelado a diesel faz caminhoneiro descartar greve
Teto de projeto na Lei Rouanet cairá para R$ 1 milhão
Empresário pede à Justiça para vender sítio de Atibaia
Planilha cita R$ 3,5 mi da Odebrecht a taxista
Trump ameaça país que comprar petróleo do Irã

Folha de S. Paulo

Governo aceita mudar texto para votar Previdência hoje
Bolsonaro faz crítica a Olavo após reação de ala militar
Não se pode afetar honra, diz ministro ao explicar censura
Ministério nega, outra vez, acesso a documentos
Aterros cheios e pouca reciclagem são desafios em SP
Sri Lanka atribui série de ataques a radicais islâmicos

Valor Econômico

Ministérios divergem sobre a devolução de concessões
Governo exclui itens polêmicos da reforma
Trump aperta sanções e Irã ameaça fechar rota de Ormuz
Reajuste dos fretes afasta risco de greve
Copag luta contra baralho importado
Populismo e prévia eleitoral frustram mercado argentino

EDITORIAIS

O Globo

Reforma da Previdência pede urgência

Economia não cresce, e desemprego sobe ao mesmo tempo em que projeto não avança no Congresso

Enquanto a tramitação do projeto de reforma da Previdência se atrasa, a economia demonstra que a recuperação ensaiada há pouco é mesmo de fôlego curto, algo como um “voo de galinha”, se tanto. Os políticos próximos ao governo — ainda parece um exagero chamá-los de “base parlamentar” — demoram a se articular, e a oposição, sem qualquer proposta alternativa, vê facilitado o trabalho a que se propôs, ode obstruir. Espera-se que hoje, afinal, a Comissão de Constituição e Justiça aprove na Câmara o parecer positivo sobre o projeto, para que se possa formar a comissão especial em que as discussões e negociações se aprofundarão. Deputados e senadores não devem esquecer que o desemprego voltou a subir. No trimestre encerrado em fevereiro, a taxa, calculada pelo IBGE, subiu de 11,6%, no mesmo período imediatamente anterior, para 12,4%, o que não pode ser explicado apenas por sazonalidade — passagem das festas de fim de ano, por exemplo.

É possível que a situação não tenha melhorado em março. O que há mesmo é um PIB que rasteja — o indicador antecedente do Banco Central, IBC-Br, sinaliza que o país pode estar enfrentando novamente uma recessão neste início de 2019. E os políticos têm responsabilidade direta por ela, devido à lentidão no início da tramitação propriamente dita da reforma, azedando o humor dos agentes econômicos, que tomam decisões com base nas expectativas. Como elas têm se degradado — e nisso gente do Planalto também tem culpa —, investimentos não são feitos, e as engrenagens da economia não se movem como é preciso.

Daí os 13,1 milhões de desempregados, havendo ainda outros 14,8 milhões com trabalho informal de menos de 40 horas semanais e que tentam, mas não conseguem, voltar ao mercado formal. E há também 4,9 milhões de desalentados. Já não procuram emprego. As estatísticas são preocupantes e deveriam sensibilizar parlamentares. Reportagem do GLOBO trouxe no domingo um outro indicador da debacle previdenciária: segundo levantamento feito a pedido do jornal pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), existia, no fim de 2017, um total de 1.874 cidades em que havia mais aposentados do que trabalhadores com carteira assinada, contribuintes, portanto, do INSS. Estavam nesta condição33% dos 5.570 municípios.

É um quadro aritmeticamente insustentável, até para as próprias cidades, porque não será a renda de aposentados e pensionistas que gerará empregos nos municípios, já em processo de esvaziamento demográfico. Esta realidade reflete o desbalanceamento provocado pelo regime de repartição da Previdência e o fenômeno demográfico do envelhecimento da população, concomitante a uma da taxa de natalidade em queda: cada vez há menos jovens para com sua contribuição pagar os benefícios previdenciários dos mais velhos. Daí a crise estrutural colocada à frente dos parlamentares, a começar pelos da CCJ.

O Globo

Relatório desconstrói governo e anima oposição a Donald Trump

Não se vê chance de impeachment, mas investigação municia bastante os Democratas para o ano que vem

Mês passado, na reunião anual do Partido Republicano, Donald Trump arriscou-se numa previsão: “Nosso futuro é ilimitado”, disse, “vamos ganhar em 2020 por margem maior do que ganhamos em 2016”. Trump tem mais 70 semanas de campanha até a eleição e sérios problemas pela frente. O principal é como chegar lá e vencer a reeleição. No meio do caminho, além do Partido Democrata, agora há um extenso relatório judicial que descreve o governo Trump como caótico, incapaz, frequentemente mentiroso, tóxico aos interesses nacionais americanos e à ordem internacional. A versão integral do relatório ainda não é conhecida, mas o resumo divulgado expõe um presidente flagrado em pelo menos uma dezena de ocasiões dando ordens para obstrução de investigações da Justiça.

O delito, grave e eventualmente punível com a perda de mandato, não chegou a ser consumado, registrou o procurador Robert Mueller. Isso porque assessores da Casa Branca simplesmente se negaram a cumprir as ordens do presidente para impedir ou dificultar apurações sobre a extensão da sua aliança com a Rússia de Vladimir Putin, na campanha de 2016. Na época, a candidata democrata Hillary Clinton foi alvo de ações coordenadas de espionagem, de contrainteligência e propaganda negativa, que ajudaram Trump a vencer a disputa pela presidência dos EUA.

O procurador não encontrou provas de conluio do republicano com Putin, mas comprovou o entusiasmo de Trump com o auxílio eleitoral do Kremlin, o inimigo construído no imaginário dos cidadãos dos EUA durante toda a Guerra Fria. As 448 páginas divulgadas, com trechos censurados, indicam eventos apurados com potencial de desconstruir um governo cujo protagonista se esforça para tornar-se mítico, com um repertório cotidiano de ataques s a minorias via redes sociais.

É previsível que o Partido Democrata se empenhe em tornar pública a íntegra do relatório, porque pode usá-lo para deixar o governo em xeque até o fim do mandato e exibi-lo na campanha contra a reeleição. Derrotá-lo é outra coisa. Depende de um oposicionista eleitoralmente viável e capaz de superar Trump na habilidade para reverter situações desfavoráveis — ele já diz que foi “inocentado” pelo relatório. O impeachment, por enquanto, é miragem, sem apoio visível sequer da influente democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara. A oposição aposta no desgaste. Isso quer dizer que a vida de Trump na Casa Branca será duríssima pelos próximos 18 meses.

O Estado de S. Paulo

A estagnação nas fábricas

Com fábricas produzindo muito abaixo da capacidade e pessoal muito reduzido, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador e entrar em recuperação mais firme. Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, a economia continua travada e a maior parte da indústria de transformação opera em nível inferior ao de antes da crise. Que os negócios continuam muito fracos é um fato bem conhecido, mas o quadro pode ser bem mais feio quando se examinam os detalhes. Exemplo: só três de quinze segmentos da indústria de transformação avaliados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) funcionam em nível pelo menos igual à média histórica do período de 2001 a 2018. O levantamento foi feito por solicitação do Estado.

Já no terceiro ano depois de encerrada a recessão, a maior parte das fábricas mantém um baixo grau de utilização das máquinas, equipamentos e instalações. Na média dos 15 segmentos analisados, só houve uso de 74,6% da capacidade instalada no primeiro trimestre deste ano. Na série histórica examinada no estudo da FGV, houve uso médio de 81,1% da capacidade produtiva. Entre janeiro e março deste ano, só os segmentos farmacêutico e de papel e celulose superaram sua média histórica. Um terceiro, o de vestuário, funcionou dentro de seu padrão normal. Todos os demais continuaram com ociosidade maior que a observada antes da crise.

A estagnação da indústria de transformação é atribuível, em primeiro lugar, ao baixo consumo das famílias. A moderação nas compras está claramente associada à insegurança, num ambiente de alto desemprego. Nem todas as famílias perderam renda, mas a maioria tem excelentes motivos para ser muito cautelosa nas despesas.

Diante do consumo retraído, os dirigentes de indústrias são levados a limitar severamente a formação de estoques. Nem acumulam estoques de produtos prontos, porque as vendas são incertas, nem compram matérias- primas e bens intermediários além do volume necessário numa situação de negócios fracos. Ao restringir as compras de matérias-primas e bens intermediários, transmitem a crise aos elos anteriores da cadeia de produção.

Com baixo uso de máquinas, equipamentos e instalações, há pouco ou nenhum motivo para investir na capacidade produtiva. Não teria sentido acumular bens de capital ou ampliar galpões, quando o parque produtivo ainda está largamente subutilizado. Tem havido, apesar disso, algum investimento, porque parte das empresas deve estar sendo forçada a substituir máquinas e equipamentos muito velhos. Em algumas, pode estar ocorrendo uma substituição de bens de capital por outros mais modernos, mas, de modo geral, faltam estímulos para investir. Isso se reflete na indústria de máquinas. No primeiro trimestre, o segmento usou 69,9% da capacidade instalada, ficando muito abaixo da média histórica de 80,3%. A diferença entre o uso atual da capacidade e a média de utilização nesse segmento é a maior encontrada em todo o levantamento.

A eleição e a posse de um novo presidente da República poderiam ter clareado o horizonte e contribuído para a intensificação da atividade, mas quem acreditou nisso acabou frustrado. Superada a incerteza eleitoral e instalado o novo governo, permaneceu a insegurança em relação à política e às perspectivas da economia. O escasso envolvimento do presidente na condução dos assuntos mais urgentes, como a reforma da Previdência, foi certamente um dos fatores negativos. A desorientação evidente e as trapalhadas mais ostensivas do governo, com muitas trombadas no primeiro escalão e enorme dificuldade na relação com o Legislativo, dificilmente poderiam ter melhorado as expectativas de quem olha os fatos a partir da planície do dia a dia dos negócios.

O exame dos 15 segmentos industriais enriquece, enfim, o quadro geral já apontado pela FGV: entre o trimestre móvel encerrado em novembro e aquele terminado em fevereiro o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) foi zero. Nulos são ainda os sinais de melhora.

O Estado de S. Paulo

A lição da Unasul

O governo brasileiro formalizou a saída do País da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O Itamaraty comunicou a decisão ao governo da Bolívia, país que exerce a presidência pro tempore do bloco, na segunda-feira dia 15. A saída do Brasil do grupo de viés bolivariano surtirá efeitos transcorridos seis meses desta data.

O ato diplomático do Brasil foi mera formalidade. Na prática, a Unasul é irrelevante e maior prova disso é que a longa crise por que passa a organização não produz qualquer resultado além de expor ainda mais a pobreza dos desígnios que inspiraram sua criação. Paraguai e Argentina anunciaram que também deixarão o bloco. A Colômbia já havia denunciado seu tratado constitutivo em agosto do ano passado, três dias após a posse do presidente Iván Duque. Hoje, apenas Bolívia, Guiana, Uruguai, Suriname e Venezuela compõem o bloco.

A questão de fundo no ocaso da Unasul – e esta é a lição que há de ser tirada do episódio – é o desvirtuamento de organizações internacionais, desde sua concepção, para uso político ideológico de governantes de turno. A rigor, estes fóruns deveriam se ocupar de questões de Estado, bem mais perenes.

Não custa lembrar que a Unasul foi ideia do coronel venezuelano Hugo Chávez para servir como espécie de contraponto à suposta influência dos Estados Unidos na América do Sul por meio da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington. O delírio do falecido caudilho foi acompanhado por outros líderes regionais, como Lula da Silva, a argentina Cristina Kirchner, o equatoriano Rafael Correa e o boliviano Evo Morales, entre outros.

Em março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro e representantes de outras sete nações – Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai e Peru – assinaram a Declaração de Santiago, que propõe a criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), em substituição à Unasul. De acordo com nota do Itamaraty, “o novo foro terá estrutura leve e flexível, com regras de funcionamento claras e mecanismo ágil de tomada de decisões. Terá, ainda, a plena vigência da democracia e o respeito aos direitos humanos como requisitos essenciais para os seus membros”. A Venezuela não foi expressamente citada no documento, mas a mensagem é clara.

Se, de fato, o Prosul servir para engajar os países da região na inarredável defesa dos valores do Estado Democrático de Direito e no respeito aos princípios e tratados que regem as relações internacionais, a troca terá valido a pena. Não se descarta, no entanto, o risco de o novo bloco ser uma Unasul com sinal invertido. Ao menos sob a perspectiva do Brasil. Os sinais emitidos pelo Itamaraty em pouco mais de quatro meses de governo do presidente Jair Bolsonaro não são nem um pouco alvissareiros. Bastaria dizer que o chanceler Ernesto Araújo é dos mais ardorosos críticos do que genericamente classifica como “globalismo”, um “complô” de organizações internacionais a fim de atacar os valores “judaico- cristãos” do Ocidente, a soberania dos países e seja lá o que mais isso signifique.

À época da concepção da Unasul, o populismo de esquerda grassava na América do Sul. O enfraquecimento da organização nos últimos anos está diretamente ligado à ascensão de novos governos alinhados ao centro e à direita do espectro político na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Paraguai e no Chile. Estes países, não por acaso, decidiram suspender a participação na Unasul em abril do ano passado.

Por outro lado, a simples troca de governo em alguns países da região por líderes alinhados ao polo ideológico oposto ao de seus antecessores não significa, por óbvio, o fim da tentação populista. Não faltam exemplos de casos recentes que recomendam prudência e constante vigilância. A experiência da moribunda Unasul terá valido por um bom propósito se ao menos servir como alerta sobre o que não deve ser feito com uma organização internacional que se pretende relevante.

O Estado de S. Paulo

A CPI das Universidades

Deve ser instalada nesta semana, pela Assembleia Legislativa de São Paulo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas no Estado de São Paulo, em especial quanto à utilização das verbas públicas repassadas a elas”, conforme se lê no Diário Oficial. Não há menção a nenhuma irregularidade específica, o que torna o objeto da CPI vago o bastante para ser entendido como uma tentativa de interferir na autonomia universitária.

O artigo 207 do texto constitucional diz que “as universidades gozam de autonomia didático- científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, mas parece que esse aspecto foi amplamente ignorado pelos deputados estaduais paulistas, o que abre caminho para contestações judiciais. Seja como for, a CPI deverá ser instalada sob o patrocínio da base parlamentar do governador João Doria (PSDB) – o autor do requerimento da comissão é o deputado Wellington Moura (PRB), vice-líder do governo na Assembleia. A justificativa do parlamentar é que as universidades “se declaram em crise financeira”, ao mesmo tempo que pagam “salários acima do teto” constitucional e cometem “irregularidades na concessão de aposentadorias” e “no valor das diárias pagas a servidores das reitorias”.

Tampouco estão claras as motivações do governador João Doria, que até ontem não havia se manifestado sobre essa iniciativa dos deputados governistas. Contudo, a julgar pelas declarações dos deputados governistas, depreende-se que a CPI está em linha com o clima de caça às bruxas que se pretende instalar nas universidades no País desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, por exemplo, já disse que sua “contribuição” para o País será “vencer o marxismo cultural nas universidades”.

Em perfeita sintonia com essa disposição do governo federal, Moura disse que seu objetivo ao propor a CPI era “analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento”. Ou seja, a crise financeira das universidades, a julgar pela visão do parlamentar governista, resultaria do manejo “esquerdista” das verbas públicas. “Eu percebo um predomínio da esquerda nas universidades. Infelizmente, muitos professores levam mais o tema ideológico do que o temático para a sala de aula”, disse Moura.

Do mesmo modo, a líder do PSDB na Assembleia, deputada Carla Morando, disse que “é público e notório” que as universidades públicas são “dominadas pela esquerda”, o que afetaria a gestão e o ambiente educacional.

Observa-se, portanto, que o problema de gestão de recursos públicos não é de fato o centro das preocupações da CPI, e sim o “esquerdismo” das universidades, acusação que permite todo tipo de interpretação e que, no limite, pode basear medidas que acabem de alguma forma tolhendo a liberdade acadêmica. E aí o céu será o limite: como comentou o deputado Wellington Moura, “muitas ideias vão surgir” depois da CPI, como, por exemplo, um decreto legislativo para alterar a forma de escolha dos reitores das universidades, dando ao governo estadual e à Assembleia maior poder de influência.

“Não temos o que temer com a CPI, mas preocupa esse tipo de discussão sobre a importância da universidade”, disse o reitor da Universidade de São Paulo, Vahan Agopyan. Ele lembrou que “as universidades de pesquisa não são só para formar excelentes profissionais e fazer pesquisas”, mas também para “discutir políticas públicas para melhorar a sociedade”. Para isso, é preciso total autonomia, sem nenhuma interferência estatal, para que as ideias sejam discutidas sem embaraços de qualquer ordem.

É fato que a autonomia universitária não faz desses centros de pesquisa e educação entidades desvinculadas do contexto social e econômico em que foram criados; no entanto, nenhuma iniciativa com vista a cobrar-lhes respeito ao orçamento pode vir acompanhada de ameaças obscurantistas contra a liberdade acadêmica, um dos alicerces do regime democrático.

Folha de S. Paulo

Sigilo injustificável

Pasta da Economia nega de modo descabido acesso a dados sobre a reforma da Previdência, cruciais ao debate parlamentar e ao escrutínio da sociedade

A prepotência tecnocrática ou alguma estratégia política obtusa talvez o explique, mas nada justifica o estapafúrdio sigilo decretado pela pasta da Economia acerca de documentos que embasam a reforma da Previdência Social.

Nem mesmo deveria ter sido necessário que esta Folha pedisse ao ministério, com base na Lei de Acesso à Informação, registros de projeções e estudos relacionados à proposta de mudança do sistema de aposentadorias em tramitação na Câmara dos Deputados.

Trata-se, afinal, de projeto que afeta diretamente a enorme maioria dos trabalhadores brasileiros, além de conter objetivos econômicos de interesse de toda a sociedade. O singelo bom senso recomenda que todos os dados a seu respeito precisam estar disponíveis de pronto ao escrutínio público.

Não param de pé os argumentos utilizados pela pasta ao negar o pleito deste jornal. Alega-se que os documentos foram classificados com nível de acesso restrito — só podendo ser consultados por certos servidores e autoridades — em razão de seu caráter preparatório de um ato administrativo, conforme previsto na legislação.

Ora, mesmo do ponto de vista desse formalismo míope, a proposta de reforma já está no Congresso, não mais nos escaninhos do Executivo. É a deputados e senadores que cabe, agora, debater e negociar o texto com as melhores informações à disposição.

Não por acaso, lideranças da Câmara já indicavam nesta segunda-feira (22) que o sigilo do material cairá quando o projeto chegar à comissão especial encarregada de examinar seu mérito — logo depois, portanto, da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na qual apenas se considera sua adequação à Carta.

Já se conta com fartura de dados a comprovar o estado calamitoso das finanças da Previdência; ademais, o governo divulga anualmente, com o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentarias, projeções para os regimes que atendem a trabalhadores da iniciativa privada, servidores federais civis e militares.

Falta, em particular, o detalhamento das estimativas do impacto de cada medida proposta, fundamental para a discussão parlamentar. Sabe-se que a reforma se propõe a economizar cerca de R$ 1,1 trilhão em dez anos — e que é virtualmente nula a chance de passar incólume pelo Congresso.

Possivelmente o governo tema a distorção e a exploração demagógica de cifras, que decerto ocorrerão. A transparência implica custos, de fato; do contrário, não seria uma virtude tão preciosa.

Folha de S. Paulo

Páscoa sangrenta

Sri Lanka sofre um dos atentados terroristas mais brutais dos últimos tempos

O domingo em que se celebrou a Páscoa ficou marcado por um dos atentados terroristas mais brutais e hediondos dos últimos tempos.

No Sri Lanka, ilha com cerca de 20 milhões de habitantes localizada no oceano Índico, uma série de explosões atingiu igrejas e hotéis em três cidades, incluindo a maior do país, Colombo, deixando ao menos 290 mortos e 500 feridos.

Os ataques ocorreram de forma coordenada e, segundo relatos oficiais, foram perpetrados por homens-bomba. De forma emergencial, o governo decretou toque de recolher e adotou a medida extrema de bloquear o acesso a redes sociais e a aplicativos de mensagens, com o objetivo declarado de evitar a disseminação de boatos.

Até o momento, nenhuma organização reivindicou os ataques. As autoridades, no entanto, apontaram a facção radical islâmica National Thowheeth Jama’ath (Organização Nacional Monoteísta) como responsável pela carnificina.

Forças de seguranças sabiam havia quase duas semanas que o grupo preparava atentados —embora, aparentemente, nada tenham feito para evitá-los. Se a suspeita vier a se confirmar, os eventos de domingo representarão sinistra novidade em um país que registrara poucos episódios de jihadismo.

De 1983 a 2009, o Sri Lanka foi devastado por um conflito civil que opôs sobretudo a maioria cingalesa, que segue predominantemente o budismo, e a minoria tâmil, majoritariamente hindu. Embora guerrilhas tâmeis tenham utilizado homens-bomba, elas tinham como foco figuras políticas.

Já no caso dos ataques de domingo, além do método suicida empregado, a escolha dos alvos —religiosos e turísticos— afigura-se típica de grupos jihadistas. Ademais, dada a complexidade e a coordenação dos atentados, especialistas consideram provável o envolvimento de grupos estrangeiros, como Al Qaeda ou Estado Islâmico.

Enquanto prosseguem as investigações, traz algum alento a notícia de que cristãos, budistas, hindus e muçulmanos, apesar de suas diferenças históricas, têm doado sangue às centenas de feridos. A demonstração de fraternidade é, neste momento, a resposta mais forte àqueles que promovem o ódio e a intolerância.