A história subterrânea do PCB na frente democrática

NAS ENTRELINHAS

Personagens destacados da política brasileira, Amaral Peixoto, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e José Sarney também se relacionavam com os comunistas

O jornalista Eumano Silva lança nesta terça-feira, a partir das 19h30, no tradicional Bar Beirute, em Brasília — reduto de artistas, estudantes, intelectuais e jornalistas —, o livro-reportagem Longa jornada até a democracia — Volume II, publicado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que conta a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos subterrâneos da resistência ao regime militar e seu papel na construção da ampla frente democrática que viria a eleger o governador mineiro Tancredo Neves (MDB) à Presidência da República, no colégio eleitoral, em 1985.

Ao contrário de outras organizações de esquerda, a maioria formada a partir de suas dissidências, como o PCdoB de João Amazonas, o MR-8 de Carlos Lamarca e a ALN de Carlos Marighella, “rachas” registrados no livro, o então chamado “Partidão” não aderiu à luta armada. Era a maior organização comunista à época, mas defendeu a resistência ao regime militar nos espaços legais nos quais era possível alguma vida política: sindicatos; associações de moradores; cineclubes; diretórios estudantis; instituições, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e a participação nas eleições em aliança com os liberais, na legenda do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Moderado e reformista, o velho PCB completaria 102 anos no próximo dia 25 de março, não fosse a mudança de seu nome e sigla, sob a liderança do então deputado federal Roberto Freire, o candidato comunista à Presidência em 1989. Proscrito desde 1947, sofreu implacável perseguição dos órgãos de segurança do regime militar. Foram assassinados 12 integrantes de seu Comitê Central, a maioria dos sobreviventes foi forçada ao exílio, centenas de dirigentes foram presos, e milhares de militantes, em todo o país, permanentemente perseguidos ou vigiados.

Eumano Silva escreveu um livraço, nos dois sentidos. Suas 843 páginas parecem o roteiro de um filme noir ambientado na Guerra Fria. Misturam-se a complexa trama de relações e ações políticas do PCB na sociedade e a luta pela sobrevivência de seus quadros clandestinos, sob a perseguição sistemática. Não é uma obra de ficção, tudo é verdade.

Para recompor a trajetória do PCB entre 1967 e 1992, o livro confronta documentos oficiais inéditos, entrevistas com seus personagens e farto material bibliográfico. O jornalista pesquisa os arquivos dos órgãos de segurança há décadas. Um deles, o do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), era especializado em infiltrações no PCB e chegou às mãos do repórter Leonel Rocha, que gentilmente cedeu informações para o livro, o segundo volume de uma trilogia.

Longa jornada até a democracia — Volume I foi lançado em 2022. Escrito pelo jornalista Carlos Marchi, autor das biografias de Carlos Castelo Branco e Teotônio Vilela, aborda o período compreendido entre a fundação do PCB, em 1922, e seu VI Congresso, em 1967, quando a legenda assumiu seu compromisso com a democracia e rechaçou a luta armada. Marchi será o autor do volume III, que compreenderá o aggiornamento da legenda, com a mudança de sigla e nome para PPS, sob a liderança de Roberto Freire, que resultou no Cidadania. A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) até hoje é mantida pela legenda.

Cercar e aniquilar

O clima sombrio da Guerra Fria, relatos minuciosos sobre a vida clandestina de dirigentes e militantes, fugas, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de comunistas. Os personagens parecem saídos dos romances policiais, como os espiões e informantes infiltrados pela repressão nas organizações de esquerda. O livro mostra o trabalho silencioso de caseiros, motoristas e distribuidores da Voz Operária e outras publicações clandestinas. A CIA e a KGB aparecem em vários episódios, um deles o do “Agente Carlos”, um assessor do então secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, que trabalhava para o SNI e a CIA.

Personagens destacados da política brasileira, Amaral Peixoto, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e José Sarney, entre outros, se relacionavam com os comunistas. O livro percorre também o submundo da ditadura, cuja cúpula decidira “cercar e aniquilar” o PCB. Registra o passo a passo da estruturação dos Departamentos de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) — e descreve disputas entre o Exército e a Marinha pelo controle desse aparato.

A audaciosa transferência dos arquivos de Astrojildo Pereira para a Itália, o espetacular resgate de Giocondo Dias cercado e isolado no Rio de Janeiro, os 10 anos de investigações para se chegar à gráfica clandestina que imprimia a Voz Operária e o misterioso “Ouro de Moscou” são alguns episódios relatado no livro, além da infiltração de um militante do PCB da PM de São Paulo no tenebroso aparelho do DOI-Codi da Rua Totóia, na capital paulista.

Em tempo: na quinta-feira, o livro será lançado no Rio de Janeiro, a partir das 17h, na tradicional Taberna da Glória, ao lado da autobiografia do ex-dirigente sindical bancário Roberto Percinoto, Uma vida bem vivida (Aquarius), um dos personagens de destaque do livro. (Correio Braziliense – 12/03/2024)

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