Luiz Carlos Azedo: Falta combinar a reforma tributária com os governadores

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Governador de Goiás lidera articulação de estados exportadores contra o recolhimento dos impostos no destino, sem que haja compensação para essas unidades

Há um certo consenso nacional sobre a necessidade da reforma tributária, que já se reflete no Congresso e cria condições excepcionais para que seja aprovada em julho. O fator decisivo é a própria economia, que precisa se livrar das amarras da atual estrutura fiscal, um emaranhado de leis e impostos, e optar por um sistema mais eficiente, barato e justo. A reforma pode representar um aumento de até 10% do PIB, em 15 anos, segundo disse, nesta terça-feira, o presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, na abertura do seminário Reforma tributaria e a indústria, promovido pelo Correio Braziliense.

“Alcançamos um grau de maturidade na discussão da reforma tributária na Câmara dos Deputados que nos deixa a todos muito otimistas com relação ao resultado que vai ser colocado na conta e à prova de todos”, avalia o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que também participou do evento. Entretanto, há tensões. Uma reunião de governadores será realizada nesta quinta-feira, na residência oficial da Câmara dos Deputados, para debater a reforma. Há uma preocupação com o pacto federativo: “Faremos a reforma ouvindo todo mundo, será a reforma possível”, explicou Lira, que convocou a reunião e, de certa forma, atalhou a negociação dos governadores com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na semana passada, o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou as diretrizes aprovadas pelo grupo de trabalho parlamentar que discutiu a nova lei. Tanto os articuladores do governo quanto os líderes dos principais partidos têm expectativa de aprovação por ampla maioria, segundo o relator. A principal mudança proposta na reforma é o modelo de cobrança de tributos sobre o consumo. Embora tenha o compromisso de pautar a aprovação da reforma em julho, Lira admite alterações no mérito do relatório de Ribeiro, que começa a sofrer contestações.

É que o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), lidera uma articulação dos estados exportadores contra o recolhimento dos impostos no destino sem que haja compensação para a perda de receita desses estados. Além de Goiás, Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, por exemplo, são grandes exportadores em risco de perda de receitas. Hoje, a principal fonte de receita dos estados é o ICMS, arrecadado na origem das mercadorias, com exceção dos combustíveis, cujos impostos são cobrados no destino. Também há preocupação de prefeitos com o fim do ISS, que será fundido ao ICMS no novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o coração da reforma.

Fundo de compensação

Alckmin minimizou as divergências, ao fazer a defesa enfática da aprovação da reforma no primeiro ano de governo. Segundo ele, não existe uma “bala de prata” para melhorar a competitividade do Brasil, mas que é preciso cumprir uma série de tarefas, que passam por melhorar a educação, reduzir o custo do crédito e simplificar a questão tributária. Sobre o pacto federativo, disse que “a ideia não é tirar de um para outro. Claro que a mudança da origem para o destino é lógica. No mundo inteiro o tributo sobre consumo é cobrado onde se consome”, afirmou Alckmin.

Ao comentar a movimentação liderada por Caiado, o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), defensor histórico da reforma tributária, avalia que é possível resolver o problema das perdas dos estados exportadores unificando os dois fundos de compensação de exportações existentes. Um deles é o que garante o pagamento de compensações da União a estados e municípios devido às perdas de receita provocadas pela Lei Kandir, cujo valor destinado aos ents federados pode chegar a R$ 65,6 bilhões até 2037.

A Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) isentou as empresas de pagarem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre exportações. Como o ICMS é receita dos estados e municípios, a lei previu uma compensação financeira pela perda da arrecadação desses entes federados. Os critérios para o pagamento dessa compensação foram objeto de batalhas judiciais desde 2013, até o Supremo Tribunal Federal (STF) negociar um acerto entre os estados e a União, que foi oficializado pelo PLP 133/2020.

“Faremos uma transição de 40 anos. Com a fusão dos fundos e um pouco mais de recursos, será possível atender aos estados de maneira que ninguém saia perdendo”, argumenta Hauly. Pelas contas do parlamentar, devido ao atual sistema tributário, o país perde por ano R$ 600 bilhões em sonegação e isenções fiscais, cerca de R$ 300 bilhões com a inadimplência e mais de R$ 100 bilhões com a burocracia. Com relação às prefeituras, o parlamentar avalia que os municípios sairão ganhando com a distribuição do IVA, porque o seu ICMS representaria 7,2% do PIB e o ISS, apenas 0,9%. (Correio Braziliense – 21/06/2023)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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