Luiz Carlos Azedo: Muda tudo no cenário político caso Bolsonaro fique inelegível

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O julgamento de ação por abuso de poder político e econômico deve ser concluído pelo TSE ainda neste mês, antes do recesso no Judiciário

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi marcado pelo ministro Alexandre de Moraes para o próximo dia 22. Movida pelo PDT, trata-se de uma ação por abuso de poder político e econômico ao realizar uma reunião com embaixadores, em julho do ano passado, e atacar o processo eleitoral brasileiro. Caso seja condenado, o que é provável, devido à evidência dos fatos em confronto com a legislação eleitoral vigente, Bolsonaro estará impedido de disputar quaisquer cargos eletivos, inclusive a Presidência da República em 2026. Isso mudará tudo no cenário político nacional.

O julgamento deve ser concluído ainda neste mês, antes do recesso no Judiciário. Durante o encontro com os embaixadores, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro questionou a segurança do sistema eleitoral e apontou risco de fraude nas eleições, sem apresentar provas. Além disso, ele é alvo de 16 investigações no TSE. Sua condenação terá forte impacto no ambiente político do país, porque tira de cena o principal protagonista da extrema direita, que hegemoniza a oposição. Esse espaço político tende a ser ocupado por outra liderança de direita. O conservadorismo continua sendo a força predominante na oposição, na qual emergem novas lideranças, com destaque para os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); Minas, Romeu Zema (Novo); e Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).

A diferença entre o reacionarismo de extrema direita e o conservadorismo precisa ser levada em conta. O espírito reacionário invoca o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência, mas busca agir no presente e construir o futuro à sua feição. A luta para salvar um passado idílico e imaginário, como a dos saudosistas do regime militar, em 8 de janeiro, é uma decorrência das dificuldades para conviver com as mudanças do nosso tempo, diante da globalização e do multiculturalismo, com suas pautas identitárias. Entretanto, tornou-se um problema “moderno” e mundial. A direita avança no mundo.

O pensamento conservador, mesmo de viés autoritário, tem um projeto de modernização pelo alto, que busca acompanhar as mudanças a qualquer preço, desconsiderando seus custos sociais. Tem um caráter mais pragmático do que ideológico, que seduz os setores da sociedade que buscam soluções individuais para os seus problemas, sem levar em conta o contexto geral de progresso e o bem-estar da sociedade, que são fatores de sucesso mais amplo, mesmo para o empreendedorismo. Com a desestruturação das classes sociais na modernidade pós-industrial, esses setores buscam uma nova identidade e são a base natural para o surgimento de uma nova direita.

De certa forma, a derrota eleitoral de Bolsonaro no ano passado e seu possível alijamento da disputa de 2026 já estão fomentando o surgimento de lideranças de direita mais esclarecidas e moderadas, capazes de conquistar um eleitorado que ficará órfão. Ou seja, a direita não morre com a ilegibilidade de Bolsonaro, ela pode até se renovar, no leito do antipetismo ainda majoritário na sociedade, com a emergência de uma nova geração de políticos conservadores, no vácuo eleitoral do bolsonarismo.

Foro de São Paulo

É aí que mora o perigo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao não perceber que a emulação sistemática com os setores de centro, ao mesmo tempo em que deles precisa para ter sustentação social e política, tende a isolar ainda mais o PT e a fragilizar sua relação com os demais partidos que dão sustentação ao governo no Congresso. Lula tenta implementar uma agenda nacional-desenvolvimentista que pode até dar algumas respostas imediatas para a economia, mas não é a ultrapassagem para a nova economia e sua integração nas novas cadeias globais de valor. As dificuldades para fechar o acordo comercial com a União Europeia, nesse aspecto, são preocupantes, mesmo com o desconto de que o lobby agrícola europeu cria dificuldades em razão do temor à concorrência do nosso agronegócio.

Para o PT, o governo Lula está em disputa com o centro. A realização da reunião do Foro de São Paulo, entre 29 de junho e 2 de julho, com representantes de 23 países, tende a reforçar essa tendência. Não pelo encontro em si, pois é legítimo que os partidos de esquerda se encontrem, mas pelo rumo político que se pretenda adotar. Criado em 1990, pelos partidos de esquerda da América Latina, no poder em 10 países, comparecerão ao evento delegações de México, Colômbia, Venezuela, Cuba, Nicarágua, China, Índia, Rússia, Belarus, Chile, Argentina, Equador, Bolívia, Peru, Alemanha, Turquia, Espanha (deve vir o primeiro-ministro), Portugal, França, EUA (secretária de Estado), Irã e Arábia Saudita. Nesse aspecto, a intervenção do presidente Lula no evento pode ser um divisor de águas para seu governo e a esquerda latino-americana. Tudo dependerá da política que preconizar para a América Latina. Se for um “aggiornamento”, aí, sim, será um fator novo, mas é pouco provável.

O outro lado dessa moeda são os sinais positivos de que a inflação está em queda constante, o que reforça a tendência de redução de juros, cujo patamar freia a economia. As projeções do Boletim Focus para a inflação de 2024 e 2025 estão em 4% e 3,9%, o que é uma excelente notícia para o governo Lula. (Correio Braziliense – 14/06/2023)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

Santa raiva

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão.

Como se reconhece um democrata?

Ele se move pelas sendas complicadas da razão, recusando a manipulação das emoções que políticos e governantes fazem regularmente, sobretudo em períodos eleitorais.

Democracia na América

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