Luiz Carlos Azedo: O presidencialismo no Brasil está enfraquecido

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Há certo consenso de que o “presidencialismo de coalizão”, conceito criado por Sérgio Abranches, já deu o que tinha que dar

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda triste. Não manda tanto quanto gostaria, o que é normal para qualquer governante que não seja um ditador, mas também porque a diferença nas relações de força entre os Poderes da República também mudou muito de 2010 para 2023. O Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão mais fortalecidos em relação ao Executivo, por vários motivos, entre os quais as mudanças nas regras eleitorais, na legislação partidária e na execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União. Há uma diferença entre o agir do governo como estrutura de Estado, que é insubstituível, e a liderança do presidente da República.

Não custa nada lembrar a frase famosa de Karl Marx no O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de 1852, uma grande reportagem sobre a restauração na França, após o golpe de Estado do sobrinho de Napoleão, escrita sob encomenda para uma revista. “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e, sim, sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”, escreveu.

Um pouco de marxismo não faz mal a ninguém. Anos mais tarde, seu parceiro Frederico Engels, numa carta ao filósofo Joseph Bloch, afirmaria que a história deriva dos conflitos entre muitas vontades individuais, “cada uma das mais, por sua vez, é o que é por uma multidão de condições especiais”. Inúmeras forças se entrecruzam na história para que um determinado acontecimento se apresente como uma potência única, que atua “sem consciência e sem vontade”. Com muitos quadros marxistas, o PT deveria compreender melhor essa situação e criar menos problemas para a relação do governo com os aliados e o Congresso.

Ontem, na reunião do núcleo político do Palácio do Planalto, com os líderes e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, presentes, Lula deu sinais de que a ficha começa a cair em relação ao Congresso. Queixou-se de que o PT cria tumulto e complica as negociações do novo arcabouço fiscal, sem o qual as políticas sociais do governo irão à breca. O relator do projeto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), deixou muito claro que a proposta não passará na Câmara sem o apoio da bancada governista. O que pode acontecer é a manutenção do chamado “teto de gastos”, que limitaria muito a capacidade de financiamento das políticas públicas.

A votação do arcabouço fiscal, que deve ocorrer nesta semana, é uma espécie de rubicão para o governo. Mais importante do que isso, mas sem o mesmo efeito de curto prazo, somente a reforma tributária. Mudança no novo marco do saneamento, transferência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) da Fazenda para a Casa Civil e extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), consideradas derrotas anunciadas do governo, nem de longe se equiparam ao estrago que pode ser causado por uma derrota na aprovação do novo arcabouço fiscal.

Novas relações

De certa forma, as negociações na Câmara são uma espécie de laboratório das novas relações de poder entre o Executivo e o Legislativo, com o Supremo ocupando cada vez mais espaço quando surge um buraco negro na legislação em decorrência do impasse entre os outros Poderes. É o que pode ocorrer amanhã, no julgamento pelo Supremo de quatro ações que tratam do marco regulatório da internet.

Há certo consenso de que o “presidencialismo de coalizão”, conceito criado por Sérgio Abranches, já deu o que tinha que dar. Professor da Universidade Federal de Pernambuco, o cientista político Marcus André Melo, ontem, na Folha de S. Paulo, chamava atenção para o fato: “Os Poderes constitucionais são o núcleo duro de onde deriva a potência do Executivo, mas obviamente outras variáveis importam: o poder partidário, o estilo de gerenciamento da coalizão; e outras de natureza contextual: sua popularidade, o estado da economia, o timing do mandato (lua de mel versus pato manco)”. Segundo ele, a reforma política de 2017 e o fim do financiamento empresarial dos partidos, a criação do fundo eleitoral em valores sem paralelo em qualquer democracia “alterou de forma radical a dependência dos partidos — e consequentemente do Legislativo — em relação ao Poder Executivo”.

“Há duas variáveis de escolha na decisão presidencial quanto à sua coalizão: seu tamanho e heterogeneidade — a amplitude ideológica de sua base —, a qual tem importância decisiva para a congruência entre a coalizão e o Congresso como um todo. Entre um presidente que delega para a mediana da distribuição de preferências políticas do Congresso e um que tenta impor unilateralmente sua agenda, há um continuum de posições intermediárias. Se o Congresso se deslocou à direita, e o portfólio ministerial e as iniciativas de políticas de governo não refletem isso, haverá custos consideráveis.”

Quem captou essa mensagem foi o presidente da Câmara, Arthur Lira, que resumiu a questão: “O governo precisa descentralizar, confiar e delegar. Descentralizando, acreditando e confiando, ele melhorará a sua articulação política. Por enquanto, o governo está muito internalizado no PT, não tem aberto mão para posições de articulação da sua base aliada”, observou. O presidencialismo no Brasil está enfraquecido desde o impeachment de Dilma Rousseff. É um tema que merece mais reflexão no governo e fora dele. (Correio Braziliense – 16/05/2023)

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