É fundamental que se puna exemplarmente essa tentativa de ruptura com a ordem democrática, doa a quem doer
As invasões praticamente simultâneas do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto abrem um precedente da maior gravidade entre nós. Os atos de vandalismo a que a Nação brasileira assistiu, estarrecida, revelam a existência de uma ação bem organizada, a qual contou com a omissão imperdoável de algumas autoridades da Capital do país. Pior: as nossas fragilidades democráticas ficaram expostas.
É fundamental que se puna exemplarmente essa tentativa de ruptura com a ordem democrática, doa a quem doer.
Países democráticos do mundo inteiro e a Organização das Nações Unidas condenaram imediatamente esses ataques às nossas instituições democráticas.
Ocorre que tudo isso se deu uma semana apenas após o Presidente da República tomar posse. Ora, durante esse período já tinham surgido denúncias e despontado divergências sérias no interior do Governo.
Elas dão o que pensar.
Uma Ministra, Daniela Carneiro ou Daniela do Waguinho, foi acusada de manter ligações com as milícias do Estado do Rio de Janeiro, e o desfecho do caso ainda é incerto. Mas pegou mal.
Outro Ministro, Waldez Góes, foi condenado a seis anos de prisão pelo Supremo Tribunal de Justiça e mesmo assim nomeado.
Um terceiro Ministro, Carlos Lupi, questionou abertamente as reformas em sua área e considerou que a Previdência Social nada tem de deficitária. Foi desautorizado pelo Ministro da Casa Civil, Rui Costa.
A Ministra do Planejamento, Simone Tebet, assumiu destacando – o que não é lá muito comum, há de se convir – ter divergências com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
E poderia ser lembrado ainda que algumas pendências envolvem os titulares do Ministério da Cultura e da Casa Civil.
Ministros batendo cabeça uns com os outros é o que não falta. Não adianta tapar o sol com a peneira.Esses fatos podem indicar a existência de pequenos atropelos normais em todo início de Governo. Como podem sinalizar também para algo mais complicado: essa terceira administração do Presidente Lula da Silva não tem programa, não tem linha, pautando-se por uma improvisação que não condiz com a gravidade do momento. Quase 40 ministérios não ajuda nem um pouco.
Falta de rumo é imperdoável em qualquer Governo, tenha ele ou não uma longa duração. Juscelino Kubitschek governou apenas cinco anos, mas o fez de forma absolutamente democrática, legando ao país uma nova capital e governando com altivez (chegou a romper com o Fundo Monetário Internacional). João Goulart não titubeou em dizer que teríamos de encarar para valer nossas mazelas, propondo as chamadas reformas de base, estruturantes, em menos de três anos de gestão. Itamar Franco, o terceiro presidente reformador-democrata que o Brasil teve, montou uma equipe ministerial extraordinária, criou o Ministério do Meio Ambiente e viabilizou um plano de combate à inflação que mantém o país de pé ainda hoje. A rigor, o Plano Real foi o único projeto de transferência de renda para o bolso do trabalhador brasileiro.É o caso de se perguntar: e esse Governo, para onde vai? Encontrará um rumo de fato? Saberá enfrentar as reformas estruturais de que o Brasil tanto precisa?
Mais: conseguirá preservar e ampliar as instituições da Democracia e os próprios instrumentos garantidores da Cidadania?
É uma situação para lá de preocupante. Até porque, foi um ataque praticamente anunciado dias antes.
Escrevo no calor da hora, mas aprendi ao longo da vida, com o saudoso dirigente camponês Hilário Pinha, que a transformação social e o aprofundamento da Democracia dependem de dois fatores, basicamente. Ou seja, da elaboração de um programa e das formas de colocá-lo em prática.
Eis o que só aumenta a responsabilidade das forças que compõem o Campo Democrático, representantes da Civilização contra a Barbárie. (09/01/2023)
Ivan Alves Filho é historiador.