Ao enfrentar Executivo, Judiciário se debilitou e abriu espaço para Legislativo
Como explicar que os Poderes Judiciário e Legislativo tenham adquirido enorme importância entre nós? Historicamente, o poder dominante é o Executivo, que se confundia com abuso. Rui Barbosa foi preciso quando o denunciou como “o grande eleitor, o grande nomeador, o grande contratador, (…) o poder da força”.
No pós-Guerra, os presidentes continuaram poderosos politicamente, embora possuíssem poderes constitucionais limitados. A Constituição de 1988 delegou amplos poderes ao Executivo como forma de superar deficiências do arranjo anterior (MPs; iniciativas exclusivas em matéria administrativa, tributária e orçamentária; poderes de agenda etc.). Mas a constituinte adotou a estratégia “coleira forte para cachorro grande” e delegou igualmente vastos poderes ao Judiciário e ao Legislativo (embora a este menores).
Sim, o Executivo perdeu poder, por exemplo, com as emendas constitucionais sobre MPs (2001) e o Orçamento, que se tornou crescentemente impositivo. Mas a dinâmica política tem se alterado também.
Penso que o STF adquiriu grande centralidade na última década devido aos sucessivos escândalos de corrupção e devido à ascensão de um governante iliberal. O mensalão representou o primeiro evento no qual as cortes superiores demonstraram forte autonomia e independência. O episódio do impeachment presidencial e os julgamentos do TSE deram sequência.
Com a ascensão de Bolsonaro, a corte teve que escolher a batalha existencial que travaria. Acabou escolhendo a contenção de Bolsonaro e abandonando a Lava Jato, à qual dera suporte importante. (Aliás, não importam as distinções partidárias: o governismo de turno sempre denunciará o “jacobinismo judicial”). (Folha de S. Paulo – 18/09/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).