Passou o 7 de Setembro sem maiores danos à democracia. Quer dizer que superamos mais um obstáculo rumo à eleição do próximo presidente da República. O presidente Jair Bolsonaro teve o razoável senso de evitar um enfrentamento com as instituições republicanas, o que mostra que ele não rasga dinheiro quando a situação se aproxima do limite possível dentro da democracia.
Bolsonaro é capaz de cometer um “sincericídio” ao reger um coro de “imbrochável”, é capaz de fazer comparações grosseiras entre primeiras-damas, agora contra Janja, mulher de Lula, anteriormente contra a mulher do presidente francês Emmanuel Macron, mas tem juízo para saber que seu limite havia sido traçado. Tentou confundir as comemorações do Bicentenário da Independência com sua campanha eleitoral, mas não obteve receptividade nem mesmo dos militares, que se arriscaram a ver-se misturados com os bolsominions quando a festa era da Pátria e não foi comemorada à altura pela aleivosia do próprio Bolsonaro, que se utilizou das forças militares e de seus seguidores para dar um tom patriótico de sinal trocado. Não citou uma vez sequer Dom Pedro I.
O verde e amarelo foi mais uma vez usurpado para se transformar nas cores da campanha de Bolsonaro, quando não é possível aceitar que as cores brasileiras sejam sinônimo de qualquer campanha eleitoral. Bolsonaro deu mostras de que não está à altura de ser o presidente da República ao puxar um coro de “imbrochável” em plena Esplanada dos Ministérios. Feriu o decoro presidencial e deveria ser punido por isso, não apenas pelo palavreado chulo, mas também por ter usado a parada de 7 de setembro para benefício de sua campanha.
Fez um discurso de candidato, o que caracterizou ao retirar a faixa presidencial, ato inadmissível numa campanha eleitoral de um incumbente, que pela lei não precisa se licenciar do cargo, mas não pode usar seu poder para fazer a própria campanha. O que Bolsonaro fez foi abuso de poder e precisa ser punido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não creio que seja possível cassar sua candidatura, mas cortar tempo da propaganda de rádio e televisão seria um bom castigo para quem abusou de seu poder político para se sobrepor aos oponentes.
A esta altura, Bolsonaro tem poucos cartuchos a detonar. A movimentação do povo em Brasília e no Rio de Janeiro foi uma demonstração de força, sem dúvida, mas não de que ele tem maioria em condições de superar Lula no primeiro turno da eleição. Provavelmente vai para o segundo turno espremendo seus eleitores até a última gota, mas continua sem espaço para ampliá-lo.
Bolsonaro prefere manter seu núcleo duro de apoiadores a ampliar seu eleitorado. Em 2018, esse eleitorado foi quase que naturalmente para ele, pois o momento político pedia uma radicalização antipetista que teve em Bolsonaro seu único representante. Quem não votou no PSDB no primeiro turno está vendo confirmar-se que os tucanos eram irmãos xifópagos petistas, agora que Alckmim é o vice de Lula. O eleitorado tucano transferiu-se automaticamente para Bolsonaro em 2018, mas a radicalização foi tamanha que o centro ficou sem espaço, assim como os centristas foram alijados da disputa quatro anos atrás.
Foi um equívoco considerar que Bolsonaro era o melhor adversário do PT. Depois de quatro anos de governo, vê-se que não é possível aceitar que o presidente da República seja uma pessoa sem a menor noção do que seja ocupar o cargo. Não é possível aceitar tamanha falta de compostura de quem pretende continuar a representar o país. Bolsonaro está perdendo o eleitorado que votou nele em 2018 porque o considerava capaz de se opor a Lula, mas essa disjuntiva mostrou-se simplista.
Opor-se a Lula, ou ao petismo, não pode significar apoiar uma candidatura ou, por si só, justificar um voto. Nem mesmo o voto útil que se verificou em 2018, para derrotar o PT, pode ser explicação para apoiar um candidato qualquer. Já tivemos presidentes que não mereciam estar no posto, como Dilma, que foi levada ao poder por Lula e depois mostrou-se incapaz de governar, ou Bolsonaro, levado pelo antipetismo a um lugar onde jamais teria que estar.
Aparentemente não há mais tempo para uma terceira via, embora as últimas pesquisas mostrem um crescimento de Ciro Gomes e Simone Tebet. Mas há tempo para forçar um segundo turno em que o provável vencedor, Lula, seja obrigado a negociar com esses outros dois candidatos para fazer um governo de amplo espectro, não apenas da esquerda periférica do PT. (O Globo – 08/09/2022)