O medo passou a ser o principal combustível da eleição, e, sabe-se, isso não é um bom prenúncio diante do ambiente cada vez mais radicalizado em que está mergulhada a política brasileira desde pelo menos 2013.
Jair Bolsonaro é um presidente acossado pelo medo. Cada vez mais isolado e acuado, lançou mão de todas as medidas possíveis, e até das que as leis diziam ser impossíveis, para se viabilizar eleitoralmente num momento em que as pesquisas lhe davam uma rejeição terminal e apontavam com consistência a chance de Lula ganhar no primeiro turno.
Diante da potência do arsenal que lhe foi dado pelo Congresso, com aval silente da Justiça, o resultado colhido nas pesquisas, até aqui, é pífio.
O presidente cresce entre evangélicos, se consolida junto aos mais ricos (que nem eram o alvo do pacote de bondades) e supera Lula no Sul, no Centro-Oeste e no Norte, mas isso é pouco diante da permanente desvantagem em eleitorados mais numerosos.
Os pobres, a grande massa do eleitorado brasileiro — o que, aliás, é o retrato acabado de muitas das nossas mazelas e da nossa incapacidade duradoura de crescer e distribuir renda —, continuam votando maciçamente em Lula: 55% dos que ganham até um salário mínimo apontam o petista como seu preferido em outubro pelo Datafolha.
Isso mostra o acerto de uma frase intuitiva cunhada por Lula num evento de campanha logo depois da aprovação da PEC Kamikaze.
— Se o dinheiro cair na conta de vocês, peguem e comprem o que comer e, na hora de votar, deem uma banana neles e votem para a gente mudar a história desse país.
Até aqui, o eleitor de baixa renda e do Nordeste (57% a 24% para o petista sobre Bolsonaro, segundo o Datafolha) parece estar seguindo a instrução à risca.
Entre as mulheres, que também foram alvo de preocupação do Q.G. bolsonarista, o presidente continua bem atrás do adversário. Sinal de que pregações como a da primeira-dama Michelle passam ao largo do universo do eleitorado feminino e têm mais aderência num nicho específico, o das eleitoras evangélicas.
Diante do balde de água fria trazido pelas pesquisas da semana — que, embora tenham metodologias diferentes e não sejam comparáveis, mostram retratos muito similares — e dos recados alto e bom som que teve de engolir calado na posse de Alexandre de Moraes na terça-feira, era esperado que Bolsonaro explodisse, e ele o fez nesta quinta-feira, ao partir para cima de um provocador profissional.
O mesmo medo que o presidente exala diante do caminho para a reeleição e para o tumulto golpista se estreitando à sua frente é o que ele e seu entorno tentarão doravante transformar em combustível da campanha. E é aí que as coisas se tornam perigosas.
A pregação criminosa de fake news de cunho religioso, que explodiu nas últimas semanas tendo Michelle, Damares Alves e Marco Feliciano como alguns dos protagonistas, precisa receber uma resposta da Justiça Eleitoral tão altiva quanto a dada em defesa das urnas eletrônicas.
Da mesma maneira, deverá ganhar tração o discurso segundo o qual o petista, se vencer, retirará benefícios sociais, e a economia do Brasil passará por solavancos como a Argentina. Até Regina Duarte, símbolo do uso do medo em eleições, reapareceu, apavorada.
Bolsonaro precisa crescer em cima do eleitorado que hoje está com Lula para assegurar o segundo turno e, caso ele se confirme, tentar uma virada que sua rejeição acima dos 50% hoje inviabiliza.
Num cenário assim carregado, eventos como as entrevistas do Jornal Nacional e o primeiro debate, na semana que vem, ganham importância e potencial para testar as estratégias de ataque, por parte do presidente, e de defesa do patrimônio mantido nas pesquisas até aqui, por parte de Lula. (O Globo – 19/08/2022)