Na compra de votos tradicional, digamos assim, candidatos degradam a democracia usando como moeda de troca dentaduras, cadeira de rodas, cimento, tijolos, cargos etc. Neste atordoante 2022, a República decompõe-se um pouco mais com a aprovação da “PEC da compra de votos”, no Senado.
Ninguém em sã consciência pode ser contra o aumento do auxílio para quem está passando fome. Mas a extensão do programa poderia ter sido feita por meio de outros instrumentos legislativos, sem violar a Constituição em nome de um golpe eleitoral travestido de estado de emergência.
Só agora, às vésperas da eleição, governo e oposição descobrem que o país está numa emergência de fome? O governo assume que sua política econômica desgraçou a vida do povo e recebe aval da oposição para gastar uma montanha de dinheiro e continuar desgraçando a vida do povo?
Enredada na armadilha, a oposição mostrou-se incapaz de enfrentar o debate que deveria separar o necessário socorro aos milhões de desesperados da pura e simples compra de voto por meio, por exemplo, de auxílios a caminhoneiros e taxistas, que nem se sabe ao certo como serão pagos.
A compra de votos oficial implode qualquer compromisso com o mínimo de decência institucional, com a responsabilidade fiscal e com o respeito à legislação eleitoral. Tudo sob o comando do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), variante envernizada do centrão e linha auxiliar do bolsonarismo, que tinha a obrigação de buscar alternativas que não violassem a Constituição.
Uma cornucópia de bondades (ainda que corroída pela inflação) sempre dá algum alívio social. A oposição pode ter feito o favor de dar a Bolsonaro fôlego suficiente para ele esticar o processo eleitoral. É o que basta para seus propósitos golpistas: dificultar a vitória de Lula no primeiro turno —junto com muitos governadores, senadores, deputados federais e estaduais— e bagunçar o segundo turno. A oposição irá repetir o erro na Câmara? (Folha de S. Paulo – 05/07/2022)