A enxurrada de medidas voltadas a reduzir a tributação de combustíveis é uma aula de como políticas públicas podem ser mal desenhadas. É compreensível que haja uma preocupação com a alta dos preços dos combustíveis, mas as medidas adotadas para tratar do tema têm sérios problemas, como se explica a seguir.
O primeiro problema é que algumas mudanças são estruturais e têm custo extremamente elevado, o que é uma péssima forma de tratar de problemas conjunturais
Esse é o caso da definição de combustíveis, energia elétrica e comunicações como essenciais para fins de cobrança de ICMS (limitando a alíquota do imposto), que deve custar cerca de R$ 70 bilhões por ano. Com esse valor seria possível implementar políticas com impacto social e econômico muito positivo, ao contrário da desoneração proposta, que não tem impacto nenhum sobre o crescimento e beneficia, sobretudo, as famílias de maior renda.
O Supremo Tribunal Federal (STF) é parcialmente responsável por essa medida, pois estabeleceu que energia elétrica e comunicações (mas não combustíveis) seriam essenciais para fins de cobrança de ICMS, modulando a entrada em vigor da mudança para 2024.
Trata-se de uma visão equivocada do que é essencialidade, pois se faz sentido subvencionar o consumo básico de energia elétrica de uma família de baixa renda, não faz qualquer sentido desonerar o consumo excessivo de eletricidade ou de combustíveis por pessoas abastadas.
Mesmo as medidas temporárias – como a desoneração completa de Pis/cofins de todos os combustíveis até o fim do ano – são problemáticas. Por um lado, deixa-se uma enorme bomba fiscal para o próximo presidente. Por outro lado, e principalmente, não faz sentido gastar dezenas de bilhões de reais na desoneração de combustíveis em um país em que há mais de 30 milhões de pessoas passando fome e quase 700 mil famílias na fila do Auxílio Brasil. Se o foco é compensar o impacto da alta dos preços sobre o poder de compra das famílias, seria muito melhor ampliar a transferência de renda para os mais pobres.
Para piorar, a fúria legiferante do Congresso Nacional sobre o tema está levando à aprovação de textos incongruentes entre si, que certamente levarão à judicialização e gerarão insegurança sobre a forma como deverão ser recolhidos os tributos sobre combustíveis, além de dificultar uma política racional de desestímulo ao consumo de combustíveis fósseis.
O custo para a sociedade da redução eleitoreira do preço dos combustíveis está ficando muito alto. (O Estado de S. Paulo – 21/06/2022)
Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal