Depois de 11 eleições, tudo indica que o sistema de urnas eletrônicas é incorruptível e exemplo do Brasil ao mundo. Por isso, fica estranho nossas Forças Armadas levantarem suspeitas, com perguntas sobre as urnas, exatamente no ano da eleição em que as pesquisas de opinião indicam a derrota do atual presidente.
Sabendo-se que ele vem cumprindo estratégia para deslegitimar o resultado para justificar um golpe, mas, supondo que o desejo de nossas Forças Armadas seja aperfeiçoar o sistema eleitoral, também me sinto no direito de fazer perguntas sobre o estado de nossa Defesa.
Da mesma forma que o TSE criou uma comissão com representantes externos para discutir possíveis fragilidades das nossas urnas na construção de nossa democracia, posso me imaginar parte de uma comissão instituída pelas Forças Armadas para ouvir civis com perguntas sobre fragilidades das nossas armas para fazer nossa defesa.
Apesar de minha experiência limitada a alguns meses como recruta no serviço militar e sete anos como membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, um dos quais como seu presidente, sou tão especialista nesse campo quanto os generais são em apuração de votos. Mesmo assim, sinto-me na obrigação de fazer perguntas sobre nossa defesa.
1) A demora para vacinar a população após o desenvolvimento das vacinas teve algum impacto negativo na garantia de nossa defesa?
2) Faz sentido dizer que o poder das nossas Forças Armadas dependa de imagem de respeito às instituições democráticas? Não enfraquece nossa defesa o comprometimento partidário de nossas Forças Armadas e seus oficiais, formando um governo que não vem conduzindo o Brasil com eficiência, justiça e sustentabilidade?
3) A destruição sistemática em escala catastrófica de nossa Amazônia não é um ultraje a nossas Forças Armadas, enfraquecendo sua credibilidade? O que enfraquece mais nossa defesa: a percepção de que nossas Forças Armadas não tinham informações sobre as falhas de nossas urnas, a descoberta de que sabiam e ficaram omissas durante os 24 anos das 11 eleições com urnas eletrônicas, ou o sentimento de que elas sabem que as urnas são confiáveis, mas aceitaram ser peça manipulada pelo presidente da República no jogo da política para se manter no poder, se for derrotado?
4) No tempo em que a grande arma da guerra está no conhecimento, o abandono das universidades e institutos de pesquisas na ciência, tecnologia, inovação e cultura não enfraquece nosso poder em caso de guerra formal e não deixa nossas fronteiras vulneráveis aos inimigos, aos traficantes e outros criminosos?
5) A persistência da pobreza que afeta metade de nossa população, devido à estagnação econômica e à concentração de renda, é um fator de enfraquecimento de nossa defesa?
6) Enfraquece nossa defesa o fato de só aproveitarmos o talento de uma parte de nossas crianças, deixando para trás aquelas cujas famílias não podem comprar educação? O fato de grande parte de nossa população adulta ser incapaz de usar as ferramentas e entender as lógicas e a geopolítica do mundo moderno pode enfraquecer nossa defesa? Enfraquece de alguma forma nossa defesa a tragédia de termos 12 milhões de adultos analfabetos, que nem ao menos conhecem a bandeira, por não saberem ler o lema Ordem e Progresso?
7) O Brasil está preparado para enfrentar exércitos mercenários que se espalham pelo país sob a forma de milícias e de empresas privadas de segurança?
8) O armamentismo da população civil não enfraquece e desmoraliza nossos soldados e policiais?
9) O fato de estarem participando da criação do clima de desconfiança sobre o resultado das urnas não enfraquece a credibilidade de nossas Forças Armadas e, em consequência, sua capacidade para nossa defesa? O que contaminará mais a credibilidade de nossas Forças Armadas: a imagem atual de que faz parte de uma estratégia golpista, ou recuar no futuro e passar a imagem de impotência diante das nossas forças desarmadas, dos juízes e políticos?
10) Depois de 33 anos de democracia, não seria do interesse da nossa defesa que nossas Forças Armadas continuassem com o comportamento profissional exemplar que vinham tendo, deixando que nossos políticos civis e nossos juízes togados cuidem do processo eleitoral, como prevê nossa Constituição?
Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)