Editorial do Estadão: Segurança pública não é violência

Aspecto fundamental da vida em sociedade, a segurança pública afeta todas as pessoas e empresas. Ninguém está imune à desordem, à violência, ao crime e à sensação de insegurança. Tal constatação deveria conduzir a um consenso mínimo sobre políticas públicas para a área, identificando prioridades e os meios disponíveis para realizá-las. No entanto, observam-se ideias e ações políticas diametralmente opostas que, mais do que diferenças ideológicas, revelam uma grande confusão sobre a própria concepção de segurança pública. Há gente se aproveitando do tema para a mais vil politicagem.

Constatam-se, de um lado, avanços significativos na área de segurança pública, como são os bons resultados advindos do uso de câmeras em uniformes das polícias. Cada vez mais governos estaduais e municipais adotam a tecnologia. Segundo levantamento do Estadão, além de São Paulo, Santa Catarina e Rondônia – que já usam as câmeras de forma permanente –, nove Estados têm feito testes com os equipamentos. Guardas municipais também têm usado a tecnologia.

Trata-se de investimento público que melhora a segurança da população. As câmeras corporais filmam a atividade policial, monitorando a legalidade das condutas e colhendo provas. Como era previsível, o uso da tecnologia diminuiu drasticamente a taxa de letalidade policial. O equipamento também propicia uma melhor coordenação da atividade policial, ao fornecer a localização precisa dos agentes e das ocorrências.

O uso de câmeras corporais é um poderoso caso de sucesso de política pública na área da segurança. Vale lembrar que a transparência também beneficia diretamente o bom trabalho dos policiais. Com o registro das evidências, as ações policiais em defesa da lei podem ser facilmente justificadas. Diante da incontestável eficiência da tecnologia, o Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) está elaborando uma diretriz sobre as câmeras corporais, para orientar e fomentar sua adoção em todo o território nacional.

Ao lado dessas experiências positivas, verificam-se também ações políticas que, sob o pretexto de aumentar a segurança pública, trazem na verdade riscos para a população. Nessa rota de retrocesso e violência, o bolsonarismo tem notório protagonismo.

Se as câmeras corporais são uma excelente notícia para o País, é simplesmente estarrecedor constatar o crescimento do número de registros de armas. Em 2021, a Polícia Federal licenciou mais de 204 mil artefatos para a população civil, segundo informou o jornal O Globo. Em 2020, foram 177 mil licenciamentos e em 2019, 94 mil. Em 2018, último ano do governo de Michel Temer, a Polícia Federal havia licenciado 51 mil peças. Os números não incluem as armas utilizadas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), controladas pelo Exército.

O progressivo armamento da população civil, que contraria a Constituição e o Estatuto do Desarmamento, revela o quão nefasta é a permissividade do governo de Jair Bolsonaro, que reduziu o controle e as restrições relativas às armas de fogo. Recentemente, contrariado com uma notícia que mostrava como armas obtidas por meio da licença para CACs abasteciam o crime organizado, Bolsonaro reafirmou sua enorme confusão e ignorância sobre o tema. “Estamos no caminho certo. Cidadão legalmente armado (no campo ou cidade) além de segurança para si e sua família, é a certeza que nunca será escravizado por nenhum ditador de plantão”, escreveu no Twitter.

Não há segurança pública se o cidadão precisa se armar. Cabe ao poder público prover a segurança de todos. Um presidente da República que, sob o pretexto de proteger o cidadão, libera o uso de armas está admitindo sua mais cabal incompetência em realizar um serviço que compete ao Estado prestar.

Além disso, como nos tempos de mau militar, Jair Bolsonaro segue atiçando paralisações e motins das forças de segurança estaduais. Isso é grave baderna ilegal e irresponsável. Segurança pública é proteção do cidadão, dentro da lei. Não é violência, é cidadania. (O Estado de S. Paulo – 02/03/2022)

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