Os seguidores de Lula e os de Bolsonaro detestam que seus respectivos chefes sejam comparados entre si. Sim, são gritantes as diferenças, mas ambos convergem em ponto crucial. Os líderes das pesquisas não apresentaram até aqui um conjunto de ideias coordenado de como tirar o País da estagnação.
Cada um ajudou a aprofundar aquilo que o professor e economista da FGV Fernando de Holanda Barbosa deu o título em recente publicação de “flagelo da economia de privilégios”. Os privilegiados, segundo o autor, são empresários obtendo subsídios, tratamento fiscal diferenciado, conjuntos de trabalhadores com tratamentos especiais, funcionários dos três Poderes com salários acima do setor privado, além de aposentadorias e pensões também especiais.
O “conflito social” entre enormes grupos de privilegiados e o resto produz as cíclicas crises fiscais das quais a atual está longe ainda de ter sido debelada. E ela precisa ser resolvida logo, sob o risco de tirar qualquer perspectiva de futuro para o País.
A manutenção do sistema de privilégios é também o pano de fundo para se entender o embate político no Brasil que, no extremo, não passa de disputa cada vez mais acirrada (pois os cofres quebraram) por extrair renda do Estado. A esfera da política, em especial a do Legislativo, reflete essas “escolhas” pelo voto, e sustenta o cenário macro no qual falta investimento pois falta poupança e falta poupança pois não há uma “escolha” política nesse sentido.
A convergência entre os personagens políticos Lula e Bolsonaro se dá, portanto, no fato de representarem a manutenção do “status quo” – algo que enfurece as respectivas claques, especialmente a acadêmica, mas que todo dia encontra exemplos no noticiário sobre a facilidade com que os grupos de privilegiados pulam de um lado para o outro do espectro político.
A rigor, as próximas eleições deveriam ser vistas como o verdadeiro choque entre as forças empenhadas em mover o País para fora do flagelo dos privilégios e o “sistema”, que dá sinais de estar confortável com Lula ou Bolsonaro (o Centrão vai mandar tanto faz qual dos dois). Mas essas forças, chamadas de “terceira via”, estão desarticuladas, ainda que tenham cabeças brilhantes, think tanks excelentes e diagnósticos precisos.
É necessário reconhecer que não se trata apenas de sucesso eleitoral em prazo historicamente muito curto. O problema maior é enfrentar a situação de um país que dá preferência a consumo em vez de poupança, e está desprovido de uma noção geral de justiça social e combate à desigualdade. (O Estado de S. Paulo – 20/01/2022)
WILLIAM WAACK, JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN