O Senado deu nas últimas semanas uma prova decisiva de estar à altura de seu papel de Câmara Alta na democracia brasileira. Soterrou a “contrarreforma” eleitoral engendrada pela Câmara, demonstrando ser capaz de equilibrar os exageros cometidos pelos deputados em causa própria. Fez isso em dois momentos.
Primeiro, a relatora Simone Tebet (MDB-MS) excluiu, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que mudou a lei eleitoral, a volta das coligações nas eleições proporcionais. Era uma manobra marota com que partidos fisiológicos tentavam aumentar as chances de sobrevivência nas eleições de 2022, as primeiras em que passarão a valer as regras para depurar o fragmentado sistema partidário brasileiro.
Segundo, o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) tomou a atitude sensata diante do Novo Código Eleitoral de 898 artigos, aprovado às pressas na Câmara. Constatou ser impossível votar lei tão abrangente no prazo necessário para que valesse já no ano que vem e decidiu dar tempo aos debates. Em consequência, o Brasil terá em 2022 eleições para o Parlamento sob a vigência de legislação mais razoável.
Por tudo isso, chama a atenção o tratamento dado à nova Lei de Improbidade Administrativa, cuja votação está prevista para esta semana. O relator do projeto recebido da Câmara, Weverton Rocha (PDT-MA), é réu em ações por peculato e… improbidade. Escolhido no dia 13, apresentou o relatório de 33 páginas em 24 horas sem acatar nem uma só das 42 emendas apresentadas (para evitar que o projeto tivesse de voltar a ser apreciado pelos deputados). É evidente a pressa para aprovar legislação mais branda com os corruptos.
Importante ressaltar que a Lei de Improbidade, em vigor desde 1992, precisa mesmo de mudanças. Anterior à Lei Anticorrupção e à Lei das Organizações Criminosas (ambas de 2013), foi durante muito tempo o único instrumento de que o país dispunha para combater a corrupção. Mas sua aplicação acabou desvirtuada. Ela tem funcionado para inibir bons profissionais de tomar parte na gestão pública, onde se veem sob ameaça constante de processos e evitam correr riscos diante de questões urgentes. Boa parte do atraso na produção do ingrediente ativo das vacinas pela Fiocruz se deve a temores inspirados pela Lei de Improbidade.
É correta, portanto, a principal mudança sugerida na nova lei: exigir comprovação de dolo para condenação. Do contrário, ela serviria para punir meros erros administrativos ou má gestão — que devem ser punidos, mas nas urnas, não nos tribunais. Só que o texto também traz mudanças cujo objetivo implícito é facilitar a vida dos corruptos.
A principal é a falha grosseira de não haver pena mínima para os crimes cometidos, além da redução nos prazos de prescrição e de períodos curtos para inquéritos apurarem desvios. O Senado tem a obrigação de corrigir esses e outros defeitos para que a nova lei iniba a corrupção sem afastar bons profissionais do serviço público. É preciso que, diante dela, o Senado saiba demonstrar a mesma sensatez que teve diante da contrarreforma eleitoral. (O Globo – 28/09/2021)