O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, participou na noite desta segunda-feira (23) de um bate papo com mulheres do partido. Na ocasião, o ex-parlamentar respondeu questões sobre a CPI da Covid, impeachment do presidente Jair Bolsonaro, violência política de gênero, eleições de 2022 e terceira via.
Participaram as coordenadoras da Secretaria de Mulheres do Cidadania (M23), Tereza Vitale, Raquel Dias e Juliet Matos, além de Mari Valentim, ativista da LiberTrans e integrante da M23, Giselle Gobbi, presidente do Cidadania em Paraíba do Sul (RJ), Samara Benício, presidente do diretório municipal de Açailândia (MA), Daniela Silveira, filiada ao Cidadania, e Elza Correia, secretária-geral do M23 do Paraná.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista com Roberto Freire:
Giselle Gobbi – Se não fossem a ciência e o Sistema Único de Saúde, a tragédia da pandemia poderia ser pior. No mundo, ela tem contornos sanitários grandes e no Brasil envolve questões políticas, éticas, morais. Como o eleitor vai reagir a essa tragédia?
O Bolsonaro, mesmo tentando surfar na onda da vacina, dizendo que comprou, que já vacinaram 50% da população, o fato é que não tem adiantado porque pesquisas estão indicando que governadores e prefeitos têm melhor avaliação nessa questão. Isso por conta de todo o seu negacionismo, inclusive por conta da CPI e descoberta de corrupção na compra de vacinas, não apenas o retardo deliberado na compra no período apropriado. A CPI mostrou à sociedade toda essa atitude criminosa dele de deliberadamente deixar que acontecesse a infecção por conta dessa tese da imunização de rebanho. A CPI cumpre esse papel de mostrar que temos um presidente que negou a doença e trabalhou a favor do vírus e não da vida dos brasileiros. Mesmo com o negacionismo, tivemos capacidade de enfrentar esse problema. Imagina se não tivéssemos o SUS, o que estaríamos sofrendo. O Cidadania está tendo importância na CPI, com os senadores Alessandro Vieira e Eliziane Gama. Ambos estão trazendo projeção para o partido pelo trabalho. E nessa CPI tem uma terceira participante da nossa bancada que é a Leila Barros, uma grande expressão também.
Giselle Gobbi – Alguns efeitos da pandemia vão se tornar permanentes na nossa rotina. O que teremos de mudança?
Tudo isso que estamos começando a vivenciar, seja no mundo do trabalho, na política, iria acontecer. A pandemia antecipou esse processo. Essa pandemia mostrou que é fundamental termos governanças globais. Tivemos uma rapidez grande no combate, com a descoberta de vacinas com uma agilidade que nunca aconteceu na história, por conta da integração de institutos de pesquisa e países.
Raquel Dias – Estamos vendo uma tentativa do governo de produzir cortinas de fumaça. É real esse clima de instabilidade entre instituições? Devemos temer o 7 de setembro?
Não sou adepto dessa tese de cortinas de fumaça. É ficar imaginando que artificialmente está se criando desvios, se discutindo questões que não são verdadeiras. Estamos vivendo num país em que as instituições estão sendo agredidas, com atentado à democracia. Temos que falar dos erros, absurdos e crimes. O que há é uma articulação, escalada golpista. Estamos vendo um retrocesso. O Brasil é o país que tem mais caçadores, atiradores, do que as próprias Forças Armadas. É algo preocupante, que atenta contra uma sociedade que viva com paz e respeito. Tudo isso leva a violência.
Samara Benício – O Judiciário reagiu primeiro do que o Legislativo aos ataques de Bolsonaro à democracia. Pra muitos, isso já é suficiente para abertura de um processo de impeachment. Vamos ter um novo impeachment?
É a coisa mais imperiosa nesse momento. O crime de responsabilidade, quase todos os dias, ele praticou, assim como os crimes comuns na pandemia, que poderiam estar sendo julgados se tivéssemos um Procurador-Geral da República que atuasse de acordo com o que determina a Constituição. A pandemia não ajudou que houvesse mobilização da sociedade. O impeachment gerou, por conta da não manifestação, um Congresso que fez pouca oposição ao governo. Foi atuante no combate à pandemia, mas, do ponto de vista político, faltou oposição. E como forma de se opor ao governo, se usou muito o judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) ficou muito exposto e isso gerou uma narrativa de que estavam impedindo o governo de governar. O impeachment é o grande instrumento para mostrar que esse Executivo atenta contra as instituições democráticas e merece se afastado mais que Collor e Dilma. Estamos apostando no dia 12 de setembro, uma manifestação que pode mobilizar a pressão junto ao Congresso.
Samara Benício – Qual estratégia do Cidadania para mobilizar a sociedade em favor do impeachment?
Tenho mandado sempre através da plataforma Somos Cidadania nosso posicionamento a favor do impeachment, de apoio e solidariedade aos ministros do Supremo. Estou espalhando para vereadores, prefeitos, deputados. Temos que começar, cada um de nós, a expandir nosso raio de ação.
Daniela Silveira – Como anda a busca das forças do centro por uma candidatura alternativa aos pólos na disputa presidencial de 2022?
Lula, depois de tudo o que passou, está vendo oportunidade de se recuperar. Esse arrumadinho do Supremo em relação a ele não ajudou, inclusive por isso também é alvo dos ataques de Bolsonaro. Lula está aproveitando e querendo ser candidato e isso ajuda Bolsonaro que só tem força por conta dele. Da mesma forma que Lula é forte candidato porque é contra Bolsonaro. E o país fica prisioneiro dessa disjuntiva que é um grave retrocesso. Precisamos encontrar quem possa representar o que é crucial para nós, que é trazer o Brasil para o século 21. Essa alternativa ainda não chegou e não temos porque ficar ansiosos. Não está tudo resolvido. Precisamos saber quem vai sobressair.
Daniela Silveira – Não está faltando uma mulher nesse cenário?
A Simone Tebet (MDB-MS) está despontando. A CPI ajudou muito a colocá-la. Ela é uma possível aspirante à candidatura. É uma hipótese. Brinco dizendo que nossa Eliziane Gama (Cidadania-MA) é uma grande vice-presidente, tem características importantes, é nordestina, mulher e evangélica progressista. Uma dificuldade que temos no partido é de que precisamos ter foco, precisamos superar a cláusula de barreira. Essa reforma eleitoral não vai mudar muita coisa. Precisamos concentrar nosso trabalho nas candidaturas de deputados estaduais e numa nominata de deputado federal que garanta que a gente supere a cláusula de desempenho.
Tereza Vitale – Nós mulheres estamos correndo atrás da paridade também nos partidos políticos, por isso precisamos estar no estatuto e sabemos que a luta será feroz, porque o machismo é real. Qual a sua opinião?
O Chile demonstrou essa capacidade de criar essa paridade e isso despertou esse debate. Lá eles têm tradição maior que a nossa. O Chile tem mulheres com presença na política há muito tempo. Preparem as mulheres para ocuparem esse espaço. Se tiverem quadro para isso, a luta será vitoriosa. Não vamos fazer chamando mulheres só para cumprir cota. Vamos fazer um trabalho de preparação de mulheres para serem dirigentes. É possível termos isso como objetivo a ser alcançado nesse próximo congresso do partido, que espero que seja após a janela, em abril.
Elza Correia – Somos mais da metade dos eleitores, mas nossa representação ainda é pequena nos espaços de poder. Fundamental que, além das candidaturas das mulheres, seja cumprido rigorosamente o repasse dos 30% do fundo eleitoral. Se aprovada essa reforma, não haverá nenhuma punição aos partidos que não repassarem. Teremos que continuar na desvantagem. Esse repasse da verba é imprescindível para nós. Pode discorrer sobre isso?
No nosso partido, não tem esse problema do recurso das cotas das mulheres. Isso é observado. Isso é um problema em alguns partidos que utilizam centralizadamente o fundo partidário e eleitoral. Temos transparência nisso. Em 2020, adotamos política de concentrar recursos na campanha eleitoral. Volto a dizer: precisamos começar a trabalhar quadros para dirigentes do partido. O secretariado tem de começar a se preocupar com os estados, como estão com essa cota que o partido a nível nacional mantém de 30%, se isso tá sendo observado. Tem estados que não fazem e pouco se preocupam. Tem que ser cobrado para começar a fazer. Tem muitas mulheres com qualidade e não aparecem porque não são incentivadas. Primeiro passo é serem dirigentes do partido e trabalhar por essa disputa. Topo abrir essa discussão. Vamos ganhar o debate. Acho que 2022 pode ser o ano das mulheres.
Juliet Matos – Estudo preliminar do Insper revela que os municípios que têm prefeita tiveram 44% menos morte e 30% menos internação na pandemia, mostrando que as mulheres são capacitadas. Mostramos na eleição de 2020 várias mulheres candidatas que são qualificadas, antenadas na política e estamos construindo esse passo à frente, mas ainda é difícil porque vivemos numa sociedade machista. Como vencer essa barreira sabendo que já temos essas mulheres?
O primeiro passo vocês já deram que é tentar imitar as chilenas. Abram esse debate e vamos ver como o partido vai reagir. Podemos ter isso como um bom debate na preparação do Congresso do Cidadania e tentar levantar isso, dizendo que as mulheres apareçam, que se disponham a ser representantes, que participem da organização dos diretórios municipais, quer dizer, comecem a fazer agitação em torno disso e abram o debate. Pode ser muito positivo. Os homens vão ter que entender que vocês vieram para tomar o lugar que eles pensavam que não estava em aberto.
Mari Valentim – Eu, como mulher trans, dentro do Cidadania, não sofri experiência de discriminação. Só que a violência está presente na política. Enquanto mulher trans sofro essa violência dobrada. Como trabalhar essa questão da violência entre as mulheres? Como podemos avançar?
Fico imaginando a coragem que pessoas como você tem que ter, não é pra qualquer um. Precisamos enfrentar porque o avanço que estamos tendo no mundo é para que isso tenha que entrar na naturalidade, não tem que ser algo estranho. O partido tinha as ideias avançadas, mas somos de uma sociedade preconceituosa. No Brasil, avançamos até de uma forma meio espantosa pro machismo da nossa sociedade. Quando se olha pro Afeganistão a gente vê o que é retrocesso, atraso. Isso tem que nos ajudar a compreender quanto avançamos e quanto precisamos avançar. A questão cultural não foi ainda vencida. Aqui no Brasil temos um espaço de luta e o Cidadania tem papel importante nisso.
Juliet Matos – Como o partido pode criar mecanismos de combate à violência política de gênero?
Uma das coisas que poderia ajudar nessa luta contra a violência política era se vocês pudessem ter exemplos que despertem as pessoas. Às vezes, mesmo aquele que comete não tem consciência. É como mostrar, porque as pessoas ficam pensando que não tem, que convivem sem problema, e, muitas vezes, de forma natural, praticam. Cortam a fala da mulher, deixam por último. Vejam que não tinha mulher na CPI e elas reagiram. É uma violência, claro.
A entrevista completa está disponível no canal do Cidadania no Youtube: