Talvez o maior erro seja a falta de cobertura sobre o amplo quadro do cenário econômico
No mês passado, a Folha me convidou para dar uma aula para os trainees sobre os erros de cobertura da economia na imprensa. A princípio, não soube nem por onde começar. De fato, foi desafiador sintetizar todos os aspectos que considero relevantes em apenas duas horas.
Por mais estranho que possa parecer, talvez o maior erro seja justamente a falta de cobertura. Sim, prezado leitor, sinto dizer-lhe que os jornais brasileiros não te deixarão bem informado sobre o amplo quadro do cenário econômico. Além disso, tampouco você ficará a par do que está sendo produzido na fronteira do conhecimento e de sua relação com o nosso dia a dia.
Quando abrimos os jornais, deparamo-nos com notícias sobre inflação, PIB, juros, dólar, reformas, empresas e outros temas comumente presentes na seção de economia. Isso pode dar a falsa impressão de que a ciência econômica se limita a esses tópicos. Porém, esse campo de estudo vai muito além dessas temáticas, que, para muitos economistas, são consideradas desinteressantes.
Nas últimas décadas, a ciência econômica tem passado por uma profunda transformação. A incorporação de sofisticados métodos estatísticos deu novos horizontes aos economistas e aumentou a chance de influenciar positivamente as escolhas sociais.
Com esses métodos, foi possível avaliar de forma rigorosa várias políticas públicas e verificar aquelas que funcionam. Teorias foram testadas, e novas evidências empíricas surgiram. Expressiva atenção foi dada para os mecanismos que afetam o desenvolvimento dos indivíduos e, consequente, das nações.
Alguns temas estão no centro do debate de uma parcela expressiva de economistas. Desse modo, os jornais falham ao não apresentar com profundidade, por exemplo, reportagens e dados sobre educação, saúde, pobreza, produtividade, inovação, mobilidade social, desigualdades e discriminação.
É preciso ir além e sair de uma cobertura conjuntural e, muitas vezes, repetitiva e superficial da situação socioeconômica. Em contrapartida, os acadêmicos e a imprensa precisam se unir para informar a população sobre temas estruturais bem consolidados na academia.
Entretanto, apesar dos avanços da ciência econômica, costumo afirmar que, se perguntarmos para dez economistas as suas opiniões sobre um dado fato objetivo, ironicamente, é possível que obtenhamos 15 respostas diferentes.
Em parte, isso decorre da dificuldade de testar empiricamente diversas hipóteses levantadas pela literatura. Além disso, existem desafios que fazem com que muitos resultados empíricos ainda apresentem limitações.
Na ausência de evidências sólidas, o que temos em vários casos na profissão é uma leitura e interpretação de como o mundo funciona. Portanto, muitas pesquisadoras e pesquisadores procuram contornar as dificuldades metodológicas impostas pela ciência social e oferecer, usando o método científico, a melhor resposta possível para problemas complexos.
Porém, mesmo os melhores acadêmicos podem, ainda que inconscientemente, defender suas bandeiras e ideologias usando a ciência como anteparo. Desse modo, é relevante que a imprensa procure priorizar um debate plural e dê espaço para todas as correntes do pensamento econômico. Divergências de ideias enriquecem o debate e propiciam o progresso da ciência.
Outro erro é dar considerável espaço para determinadas figuras públicas. A ciência avança rapidamente e, muitas vezes, celebridades do debate público ficam defasadas sobre o que está sendo produzido na fronteira.
Exemplos de “dinossauros” não faltam na profissão. Entre erros, acertos e preconceitos, eles ficam presos a discursos e debates ultrapassados, usando em sua retórica o que aprenderam nas suas etapas de formação, há mais de 40 anos. (Folha de S. Paulo – 13/07/2021)
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O texto é uma homenagem à música “Um Sonho”, composta por Gilberto Gil.
Michael França, doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper