Cristovam Buarque: Almoço incompleto

Muitos criticaram o ex-presidente Fernando Henrique por se reunir com o ex-presidente Lula e dizer que votaria neste no segundo turno. A crítica deveria ser por FHC não dizer que votaria logo no primeiro turno, se Lula aceitasse sentar com todos os candidatos já postos, para, juntos, escolherem qual teria mais chance de vencer e firmarem acordo de como governaria. Aquele almoço demonstrou política com civilidade, coisa rara hoje em dia. Não se vê isso entre seguidores do atual presidente, tampouco entre eleitores do Lula, que tratam adversários como inimigos, nem em muitos que se dizem democratas, mas demonizam Lula e o PT. Mas não basta civilidade.

Contei em artigo recente que, ao ver a notícia daquele almoço, lembrei que, em 1998, acompanhei Lula ao Palácio da Alvorada em visita a Fernando Henrique, reeleito dias antes. O presidente abriu pessoalmente a porta do apartamento residencial dentro do Palácio e disse: “Lula, venha conhecer o lugar onde você vai morar um dia”. Não pareceu ironia, nem adivinhação, era uma espécie de sentimento histórico e carinho político. A longa conversa, da qual fui a única testemunha, durou apenas duas poucas horas, porque não se transformou em acordo que lhe desse continuidade histórica.

Os dois líderes manifestaram respeito e boas intenções, mas não formaram um acordo pelo Brasil. Apertaram as mãos, mas não deram as mãos; se abraçaram, mas não abraçaram o país; pareciam esperançosos, mas não acenderam esperança. Teria sido diferente se tivessem formado e liderado um acordo pelas reformas de que o Brasil precisava, aquelas defendidas pelo partido de um e aquelas defendidas pelo partido de outro, em uma convergência que melhoraria cada uma delas e beneficiaria o país.

Este último almoço, na casa do ex-ministro Nelson Jobim, foi certamente respeitoso e bem-intencionado, mas poderá ficar com a mesma irrelevância histórica do encontro no Alvorada em 1998, se não for transformado em um acordo pelo futuro do Brasil, com o apoio dos dois partidos que eles lideram e a simpatia eleitoral do povo brasileiro. Para que o almoço entre Lula e FHC tenha repercussão histórica, será necessário quebrar o preconceito do “no segundo turno”, não no primeiro, convidar o Lula para sentar à mesa com todos os partidos e escolher um candidato único que represente os democratas do Brasil, desde o primeiro turno das eleições de 2022, e um conjunto de propósitos e comportamentos do próximo presidente.

O nome escolhido pode ser o próprio Lula, que tem história, já provou competência para presidir, tem voto e demonstrou que sabe aprender com os erros e reciclar suas posições. Mas Lula e o PT devem aceitar a análise dos nomes propostos há meses; ou até novos nomes, como, por exemplo, o anfitrião Nelson Jobim. O almoço precisa ser ampliado, conversando com outros líderes de partidos e da sociedade civil em busca do nome capaz de obter votos e de aceitar compromissos para dar coesão e rumo ao país.

Não deve ser difícil assumir compromissos com pontos fundamentais, como: recuperar o respeito às instituições democráticas; romper com o populismo e ter abertura ao diálogo; representar o país com comportamento digno; zelar pelos patrimônios nacionais, especialmente a Amazônia, nossas florestas e rios; respeitar os povos indígenas; aceitar a verdade e a ciência; ter responsabilidade no uso dos recursos fiscais; comprometer-se com a ética e mostrar intolerância com toda forma de corrupção, tanto no comportamento quanto nas prioridades; reconhecer erros do passado e dizer como impedir que se repitam no futuro; preocupar-se com a geração do emprego e de salário com moeda estável; indicar estratégias para superarmos o injustificável quadro de pobreza e concentração de renda; retomar o prestígio de nossa diplomacia; assumir o compromisso de um único mandato de transição para novo momento histórico nacional, cujo primeiro propósito é interromper a atual tragédia brasileira.

Mais uma vez, Fernando Henrique e Lula demonstraram seriedade, mas, como em 1998, faltou colocar no cardápio a busca de um nome no primeiro turno e a construção de um programa comum para o mandato do próximo presidente. A falta de um acordo democrático e progressista entre 1992 e 2018 foi uma das causas da eleição do atual presidente, com todas suas consequências nefastas. Não aprender com o erro do passado, nem construir uma unidade pode levar ao desastre da reeleição do desgoverno. (Correio Brasziliense – 01/06/2021)

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)

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