Discursos promovem o ódio na sociedade moderna
Há meses, Donald Trump vem divulgando a ideia de que os Estados Unidos estão sendo invadidos por estrangeiros, que, segundo ele, matam e comem animais de estimação dos cidadãos norte-americanos, tomam seus empregos e ocupam seus espaços urbanos. Não será necessário que o presidente ou auxiliar ordene: o ódio tomará corpo contra os imigrantes. Não faltarão pessoas influenciáveis para exercerem o papel de lobos solitários do terrorismo. Os lobos podem ser solitários, mas também são conectados.
Há um ano, o ódio levou o Hamas a praticar ato terrorista contra israelenses e, desde então, o discurso do ódio promovido pelo governo de Israel tem induzido israelenses a fazer com palestinos na Cisjordânia o que antes era feito contra judeus. São atos de indivíduos solitários, mas induzidos. Por trás de cada terrorista solitário há uma voz de líder insuflador de ódio, independentemente da ideologia.
Durante algum tempo, assistimos a perseguições, constrangimentos e agressões contra políticos do PT em ruas, lojas, aviões, promovidas por indivíduos cuja indignação e comportamento eram induzidos pelos procuradores da Lava Jato e pela mídia.
Também na esquerda houve discursos de ódio. Sem tiros, mortes ou bombas, mas houve perseguição por pessoas instigadas por discursos de líderes ou seus seguidores.
Por isso, surpreende assistir a políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro relevando o grave atentado a bombas contra o STF. Dizem que o homem agiu sozinho: era um desatinado. Difícil imaginar que tenha feito tudo sem apoio, mas ainda supondo que sozinho ele teria conseguido os recursos técnicos e financeiros para conduzir o atentado, mas a motivação não decorreu de uma epifania solitária. Ele foi induzido pelo discurso de líderes políticos e religiosos, promovendo o ódio contra comunistas, gays, transexuais, ateus, esquerdistas, ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ele pode ter feito as bombas e financiado a produção e o transporte, agindo sem seguir qualquer ordem direta, mas por anos, e até na véspera do atentado, havia um constante e sistemático discurso insuflando o ato terrorista. Seu gesto de homem-bomba não vai estancar o ódio que inspira o terror, ao contrário, vai insuflar ainda mais seguidores do terrorismo moral que incentiva os lobos solitários, mas conectados e influenciados. O principal instigador do terrorismo em Brasília foi o discurso de ódio da extrema direita.
Por trás do extremismo e do ódio está a ausência de utopias, de propostas para o futuro do país. O terrorismo é insuflado por partidos que agem como religião e por religiões que agem como partidos. A causa por trás dos lobos solitários está na substituição de opiniões por dogmas.
Quando o argumento desaparece, as bombas ocupam seu lugar, detonadas por mãos solitárias e induzidas por líderes armados apenas com o ódio. (O Tempo – 22/11/2024 – https://www.otempo.com.br/opiniao/cristovam-buarque/2024/11/22/por-tras-do-lobo-solitario)
Cristovam Buarque é professor emérito da UnB