Nota sobre o quadro internacional

Temo que esteja se desenhando um novo Eixo, tão nefasto quanto aquele que reuniu os fascismos alemão, italiano e japonês no quadro da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Desta feita, um Eixo composto pela Rússia e a extrema-direita que se rearticula perigosamente na Europa ocidental e oriental. E, de quebra, ainda tem o Irã e sua teocracia. Uma situação extremamente preocupante para a paz e a liberdade no mundo. 

São cruciais, nesse contexto, as próximas eleições norte-americanas, a serem realizadas em novembro de 2024. Se o Partido Democrata perder o pleito, o quadro se complica muito e pode ficar até pior que nos anos 30 e 40 do século XX. Afinal, àquela quadra ainda havia a União Soviética para fazer um contraponto ao nazifascismo. Hoje não mais: o fascismo é representado, ironicamente, por Putin e seus asseclas na Rússia. Quer dizer, uma inversão total. E os Estados Unidos, que acabaram aderindo aos Aliados em 1942, na esteira da heroica resistência soviética na batalha de Stalingrado, podem também se aliar ao fascismo em ascensão no mundo. Com Donald Trump no poder, o novo Eixo totalitário ficaria talvez ainda mais fortalecido, fechando o arco de alianças com a Rússia e a extrema-direita europeia. Melhor não pagar para ver.

A tendência da China, ao menos por enquanto, seria permanecer em cima do muro, assistindo aos embates entre as demais potências, vendo o circo pegar fogo. Sua intervenção só ocorreria quando as potências que se digladiarem começassem a apresentar sinais de desgaste ou decadência de parte a parte. Exatamente como os Estados Unidos fizeram por um momento no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Ou seja, chegaram ao final da festa praticamente intactos. 

E o Brasil, para onde vai? Acompanho com preocupação as investidas do Governo brasileiro contra o Ocidente. As contradições presentes no campo ocidental são antigas, não dá para negar. Há uma ordem liberal interna e um fascismo de exportação, se posso dizer assim. Essa truculência se materializa em golpes militares, guerras, invasões, ocupações coloniais. Os Estados Unidos criaram uma escola de torturas no Panamá, invadiram o Vietnã e fecharam o cerco a Cuba. O escritor moçambicano Mia Couto, em carta corajosa enviada ao então presidente Bush, pôs o dedo nessa ferida americana. Mas o campo ocidental, representado tanto pela União Europeia quanto pelos Estados Unidos, possui ainda muitas reservas democráticas. O liberalismo ainda tem um papel fundamental a jogar. Só que o mesmo não acontece em relação à Rússia de Putin, um regime que se sustenta com a guerra, o expansionismo imperial e o extermínio da oposição. Isso sem aludir ao agravante representado pela ascensão da extrema-direita em vários países europeus (Hungria, Itália, Suécia, Holanda, Portugal, França, Polônia e por aí vamos). 

Penso que um afastamento das ideias liberais dominantes no Ocidente conduzirá o Brasil a um impasse: o mesmo vivido pelo Governo Vargas, que flertou abertamente com o nazismo em 1940, no seu célebre discurso na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro. Somente em 1942, por pressão da opinião pública e dos norte-americanos, Getúlio Vargas mudou sua orientação política. Mas foi por um triz… O Governo Lula, a meu juízo, está nessa mesma corda bamba. Ou seja, não sabe muito bem para que lado vai, quem são os seus aliados reais e qual o seu campo de identificação. Vai depender da correlação de forças nacional e internacional, mais uma vez. Na mesma corda bamba, podemos dizer que se encontrava também o Governo Bolsonaro. 

A História ensina que toda vez que viramos as costas ao reconhecimento do papel positivo do liberalismo político, caímos no colo do autoritarismo e do totalitarismo. Essa lição vale não apenas para o enfrentamento do nazifascismo: muitas ditaduras na América Latina poderiam ter sido evitadas se o Campo Democrático tivesse se unido (1964 no Brasil, 1973 no Chile e no Uruguai). 

Há democratas mais sensíveis à democratização dos planos social e econômico e menos, talvez, à democratização da instância política. Como há democratas mais afeitos à democracia no terreno político, revelando uma sensibilidade menor no tocante à extensão da democracia ao terreno social e econômico. Somente o diálogo faz com que uns possam aprender com os outros. A base democrática comum é um poderoso ponto de entendimento entre essas diferentes sensibilidades. 

Será preciso, portanto, mobilizar o todo o Campo Democrático para evitar uma aventura que poderá custar caro não só ao Brasil como ao mundo todo. 

De um lado, o povo russo precisa fazer sua parte nessa luta. Isto é, recuperar o protagonismo que teve no século XX, na esteira da Revolução de 1917, derrotando a escória humana hoje no poder em pleno século XXI. Putin representa o pior tipo de burguesia que existe, a burguesia do crime. O marxista Karel Kosik, um dos líderes mais respeitados da resistência ao ocupante nazista na antiga Tchecoslováquia, já alertava para essa possibilidade logo após o desmoronamento da União Soviética. Dito e feito. Putin é o representante do lumpesinato no poder, dando continuidade aos planos de Hitler. A sua lógica, como a dos nazistas, não é a da política, que toma por base a negociação e o respeito às instituições. No melhor texto que li nos últimos tempos sobre a situação na Rússia e a invasão da Ucrânia, intitulado O Czar stalinista, Luiz Rodrigues Corvo, valoroso democrata forjado na luta contra a ditadura militar de 1964, aponta para o “discurso nazista” de Putin, recorrendo com frequência a imagens do tipo “autolimpeza” e “purificação” do povo russo para justificar as suas ações expansionistas na Ucrânia. 

Definitivamente, há alguma coisa na política que atrai os psicopatas. Hitler não está sozinho. 

Da mesma forma, o eleitorado norte-americano é chamado a se pronunciar, afirmando sua defesa do liberalismo, contra o golpista Donald Trump. Sua responsabilidade é muito grande. Se os democratas de todos os países se unirem, a Civilização vence a Barbárie. 

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