Ministro indicado pelo ex-presidente paralisa julgamento e dá tempo para ruralistas aprovarem marco temporal no Senado
No sexto mês de governo, Jair Bolsonaro deu uma dica infalível para travar julgamentos no Supremo. “Pede vista do processo e senta em cima dele”, ensinou.
A Corte havia acabado de equiparar a homofobia ao crime de racismo. O capitão, autor de frases como “ninguém gosta de homossexual”, disse que a decisão era “completamente equivocada”. “Está se transformando em insuportável a nossa convivência no Brasil”, vociferou.
Nomeado por Bolsonaro, o ministro André Mendonça tem seguido a receita do ex-chefe. No ano passado, ele foi o recordista de pedidos de vista no Supremo. Interrompeu mais de uma centena de julgamentos, a pretexto de pensar melhor antes de decidir.
Nesta quarta, Mendonça repetiu o truque. Seu pedido de vista frustrou representantes dos povos indígenas que viajaram até Brasília na esperança de ouvir um veredicto sobre o marco temporal.
Depois de dois anos de letargia, o tribunal retomou o julgamento da tese, que ameaça inviabilizar as demarcações de terras no país. Quando o placar estava em 2 a 1 a favor dos povos indígenas, o juiz “terrivelmente evangélico” parou o jogo e levou a bola para casa.
A manobra de Mendonça causou mal-estar no plenário. A ministra Rosa Weber, que se aposenta em setembro, cobrou o colega a devolver logo o processo. Em 2022, ela liderou uma mudança no regimento da Corte para coibir esse tipo de chicana.
Bolsonaro não se contentou em paralisar as demarcações. Também incentivou o garimpo ilegal e a extração de madeira em terras indígenas. Quando o Supremo começou a julgar o marco temporal, ele ameaçou descumprir uma eventual decisão a favor dos povos originários. “Se isso acontecer, acabou a nossa economia”, discursou.
Mendonça não precisava interromper o julgamento para votar como o capitão deseja. Seu pedido de vista teve outros fins: desmobilizar os indígenas e dar tempo para os ruralistas avançarem, no Senado, com o projeto que dificulta novas demarcações. A proposta já foi aprovada na Câmara, onde os agrotoscos têm mais facilidade para passa a boiada. (O Globo – 09/06/2023)