Luiz Carlos Azedo: Crise à vista, do jeito que Arthur Lira gosta

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Disputa entre presidentes do Senado e Câmara em relação às medidas provisórias é mais grave do que se supunha

Estava escrito nas estrelas que a reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o apoio de um amplo leque de forças (somente o PSol-Rede e o Novo ficaram de fora do blocão), poderia se tornar mais problema do que solução para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lira é o tipo de político que cria estresse para negociar com mais força e chegar a um acordo vantajoso. O problema é que as principais forças políticas de sustentação de Lira não estão nem um pouco interessadas na solução; ao contrário, apostam na crise para inviabilizar o governo Lula, a começar pelos dois principais partidos do Centrão, o PL de Valdemar Costa Neto e próprio partido de Lira, o PP, cujo presidente, o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira, quer seu time na tropa de choque da oposição bolsonarista.

A disputa entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em relação às medidas provisórias é mais grave do que se supunha, porque não houve a menor intenção por parte do presidente da Câmara de chegar a um acordo que permitisse um reequilíbrio de forças entre as duas Casas. O presidente da Câmara quer ser o dono da bola e do campo na tramitação das medidas provisórias decretadas por Lula. Esse é o seu principal instrumento de pressão para negociar com o presidente da República a ocupação de espaços na Esplanada e, sobretudo, recuperar seu pleno poder na distribuição de emendas ao Orçamento da União.

Ontem, Pacheco decidiu retomar a formação de comissões mistas no Congresso — integradas por deputados e senadores — para a análise de medidas provisórias enviadas pelo presidente Lula ao Parlamento. Depois de muitas negociações frustradas, Pacheco resgatou seu poder como presidente do Congresso, que estava sendo abduzido por Lira. O presidente da Câmara acusou o colega do Senado de “truculência”, porém, Pacheco apenas reafirmou um preceito constitucional que determina que a tramitação da emenda comece pela comissão mista, e não pelo plenário da Câmara, com um relator designado por Lira. Na comissão, senadores e deputados se alternam na relatoria, e seu parecer precisa ser aprovado pela maioria, antes de ir ao plenário.

Boicote

Lira anunciou que os líderes da Câmara não vão indicar os representantes das bancadas na comissão, o que inviabilizará seu funcionamento. É uma situação muito grave, porque abre uma crise institucional que pode desestabilizar o governo Lula antes mesmo de completar seus 100 primeiros dias de gestão. Há 27 medidas provisórias pendentes de aprovação no Congresso, entre as quais a que reorganiza o governo administrativamente, o que paralisaria a maioria dos ministérios, e o Bolsa Família, que atinge diretamente a população de baixíssima renda ou sem nenhuma outra fonte de renda.

O velho ditado espanhol “cria corvos, e eles te arrancarão os olhos” se encaixa como uma luva na situação. Lira aposta no quanto pior melhor e joga no colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a solução do impasse, depois de ser muito paparicado pelo Palácio do Planalto. O presidente da Câmara construiu uma narrativa, corroborada pelo líder do governo, José Guimarães (PT-CE) e, de certa forma, pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), de que a manutenção do rito atual seria a melhor garantia de aprovação das medidas provisórias, porque o próprio presidente da Câmara seria o seu fiador.

Desde a pandemia da covid-19, as medidas provisórias enviadas pelo Executivo passaram a ser votadas diretamente nos plenários de Câmara e Senado, nessa ordem. A medida era necessária devido à emergência sanitária; sua vigência estava limitada a essa situação excepcional.

Como a pandemia foi controlada, graças às vacinas, esse procedimento perdeu a razão sanitária. As atividades do Congresso voltaram a ser presenciais, e a aglomeração de parlamentares em plenário deixou de ser ameaça à saúde coletiva.

Com isso, os senadores passaram a cobrar uma atitude de Pacheco, que havia perdido poder e estava começando a se desmoralizar perante os próprios pares. Político que cultiva a conciliação como um valor, o senador mineiro foi instado pelos líderes do Senado a restabelecer o rito constitucional. Medidas provisórias precisam ser examinandas em 120 dias; na maioria das vezes, devido às negociações para aprovação da Câmara, chegavam ao Senado com prazo exíguo para aprovação.

Lira alimentou o impasse com Pacheco como quem quer ter mais poder do que o presidente do Senado e do Congresso, como aconteceu durante o governo Bolsonaro. Lula está preocupado com a situação e já pediu que Lira e Pacheco cheguem a um acordo, porém, tudo indica que o confronto tende a se agravar e pode ser o estopim de uma crise institucional.

Além das medidas provisórias, o governo tem na sua agenda a aprovação do novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. (Correio Braziliense – 24/03/2023)

Leia também

Queda de braço que vale R$ 110 bilhões

NAS ENTRELINHASPacto com o Supremo é negado nos bastidores...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...
Artigo anterior
Próximo artigo

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!