Cristovam Buarque: Falta o País

Lula tem legitimidade para substituir o comandante do Exército, mas ainda nos falta um país que permita fazer as reformas das FFAA

A reação à substituição do comandante do Exército mostra que temos um presidente, mas ainda não temos um país. Imprensa, políticos, opinião pública e militares se surpreendem, porque consideram as FFAA como instância com poder político próprio, separada do Brasil e seus dirigentes, presidente, parlamentares, ministros do supremo, governadores. O próprio presidente Lula reconhece que precisa de boas relações com o Exército, Marinha e a Aeronáutica, o Ministro da Defesa insiste que seu papel é pacificar e retomar estas relações, como se elas não fossem subordinadas às estruturas republicanas.

Este comportamento de temor do poder civil ao poder militar decorre do corporativismo como o país funciona. A reunião do presidente com os comandantes das FFAA pareceu mais um encontro para atender reivindicações da corporação, do que para cobrar obrigações dos militares com o país. Fizemos as FFAA antes de fazer uma nação. Fizemos um Exército que se vê como instância à parte, não parte do Estado Republicano. Esta não é característica apenas das FFAA.

Na véspera da demissão do comandante do Exército, o presidente se reuniu com os reitores de universidades que foram criadas antes de um sistema educacional que atenda ao país, alfabetizando crianças para o mundo contemporâneo. A universidade não tem armas, no mais se relaciona com o resto do Brasil de forma parecida às FFAA: uma entidade separada. Quando reunido com os reitores, Lula ofereceu trazer de volta as condições que o governo anterior negou, só não as asfixiando totalmente graças ao esforço heróico dos reitores, professores, alunos e demais servidores, mas não apresentou a proposta do que o Brasil espera delas para erradicar o analfabetismo de adultos, melhorar a qualidade da educação de base, colocar o Brasil entre os países de ponta na ciência e na tecnologia.

Montamos fábricas de automóveis, antes de uma população com renda suficiente para compor seus produtos. Para viabilizá-las, asseguramos subsídios e concentramos a renda na sociedade, e agora não sabemos como distribui-la, nem como fazer a indústria ser livre do protecionismo. Porque ao longo da história o país tem sido usado para atender aos interesses das corporações organizadas na sociedade, sem um espírito nacional comum. Até os incentivos à agricultura estão voltados para exportar e não para alimentar a população. Somos um celeiro habitado por famintos. Os políticos agem pensando no próprio partido, no próximo mandato e nos seus colégios eleitorais, dentro do horizonte de tempo limitado à próxima eleição. A economia e a sociedade estão organizadas para atender cada segmento no presente, não ao Brasil no futuro.

Temos um presidente de todo o Brasil, mas na verdade preside a soma das corporações, militares e civis, empresários e trabalhadores, partidos e culturas, estados ou municípios. O Lula tem legitimidade para substituir o comandante do Exército, mas ainda nos falta um país que permita fazer as reformas das FFAA, das universidades, da política fiscal, da distribuição estrutural de renda, da educação de base, que continua prisioneira dos municípios e, por ser desigual e sem qualidade, não está servindo para consolidar a nação que unifique os segmentos corporativos. Nada parece indicar a quebra do corporativismo e a chance de termos um país para o presidente governar, acima das corporações.

Não é uma tarefa fácil e vai exigir décadas, mas se o atual presidente não fizer com sua legitimidade, sensibilidade e experiencia, será difícil dar o salto necessário para inventar e construir o país, unindo suas partes em uma nação. Vamos continuar com um presidente e sem um país. (Blog do Noblat/Metrópoles – 24/01/2023)

Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

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