Todos assistimos com alegria e admiração a chegada ao ministério de Camilo e Izolda, trazendo na bagagem a experiência do passado recente, também com esperança de que darão passos na estratégia de irmos muito além
Neste ano, o Brasil pode comemorar a indicação de dois excelentes quadros para o Ministério da Educação: Camilo Santana para ministro e Izolda Cela para secretária da Educação de Base. Os dois chegam ao governo Lula como políticos de prestígio, graças ao avanço que promoveram nos indicadores da educação de base no Ceará; assumem quando o Brasil toma consciência da importância da escolaridade para o progresso do país e o sucesso de qualquer pessoa. O próprio presidente Lula, que no passado priorizou o ensino superior, tem se manifestado na defesa da importância da base na educação. Estamos com dois dirigentes testados e motivados e o momento é favorável para o Brasil dar passos para sair da tragédia educacional que nos caracteriza.
Também em 2022, a Unesco publicou o livro “Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”, com indicações para o futuro da educação no mundo. Durante quase dois anos, 15 especialistas de países diferentes trabalhamos com o propósito de definir os rumos da educação nas próximas décadas, levando em conta a necessidade de universalização, o uso das modernas ferramentas de tecnologia educacional e a equidade – nenhuma criança deixada para trás por falta de escolaridade, devido à renda ou ao endereço da família, além do papel da educação na construção de uma humanidade integrada com desenvolvimento sustentável.
Todos assistimos com alegria e admiração a chegada ao ministério de Camilo e Izolda, trazendo na bagagem a experiência do passado recente, também com esperança de que darão passos na estratégia de irmos muito além. A tarefa mais urgente é recuperar o desastre da triste coincidência histórica da covid-19 e do bolsonarismo: escolas depredadas e fechadas, professores e alunos evadidos, atraso na formação. A segunda urgência é melhorar o sistema educacional brasileiro degradado e adotar boas práticas em outros estados e municípios, obtendo avanços, mas sem dar o salto necessário.
As epidemias, sanitária e política, destruíram o que não tinha qualidade, como um terremoto em povoado de casebres. Por isso, não basta recuperar a educação para o que era em 2018. As experiências positivas promoveram melhorias no desastroso quadro da realidade educacional brasileira, mas não construíram o sistema com a qualidade e a equidade que o país necessita para promover nosso progresso econômico, social e cultural. As práticas no Ceará, e em outros estados e municípios, assim como o trabalho de organizações não governamentais, do tipo Todos pela Educação, Fundação Lehmann, Fundação Bradesco, Instituto Ayrton Senna, ajudaram a educação brasileira a evoluir, em relação ao passado, mas ainda nos deixando atrás, ao nos compararmos com o resto do mundo, e desigual, conforme a renda da família.
Mesmo com esses avanços, continuaremos com uma educação entre as piores do mundo e provavelmente a mais desigual. Precisamos dar início a uma estratégia que permita ir além da melhoria, que promova o salto de qualidade e de equidade. Implantarmos um sistema escolar com a qualidade dos melhores do mundo, com a mesma qualidade para todos. Promovendo a Segunda Abolição, sem a qual nosso progresso continuará esbarrado na ineficiência econômica, desigualdade social e limites culturais.
Foi no Ceará que, em 1884, se iniciou a Abolição da escravatura no município hoje chamado Redenção. Seria bom que, em 2023, novos cearenses adotassem a ambição de seus conterrâneos do passado e liderassem a eliminação da última trincheira da escravidão que amarra o progresso e envergonha o Brasil: a divisão do sistema escolar entre “escolas casa grande”, para a “minoria descendente social” dos escravocratas, e “escolas senzala” para a “maioria descendente social” dos escravos.
Para tanto, o MEC não pode continuar sendo ministério quase exclusivamente para financiar o ensino superior; deve assumir a responsabilidade pela educação de nossas crianças, hoje nas mãos dos municípios, pobres e desiguais; definir estratégia para a implantação, ao longo de duas décadas, de um Sistema Público Nacional de Educação de Base. Além disso, o ministério voltado para a educação de base precisa executar um programa para a erradicação do analfabetismo de adulto e um programa para preparar o Sistema Único aos novos tempos da aula com base nas modernas tecnologias digitais.
Estas tarefas não serão cumpridas pelos municípios e estados. Tanto quanto, a Abolição não pôde esperar pela vontade de cada município que desejasse copiar o feito de Redenção. A redenção precisa ser nacional. (Correio Braziliense – 27/12/2022)
Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)