O governo Bolsonaro comete mais um crime: corte de verbas para as universidades e escolas técnicas
Nos tristes estertores finais de seu governo, que serão tema de historiadores e escritores, o governo Bolsonaro comete mais um crime: corte de verbas para as universidades e escolas técnicas. Mesmo que volte atrás e reponha os recursos, a incerteza desestrutura pesquisas, cursos, desorganiza administrações e abala o ânimo dos professores, alunos e pesquisadores: é um crime.
Mas serve para mostrar um desequilíbrio estrutural do sistema educacional brasileiro: o presidente, seu ministro da educação, a União cuidam do ensino superior e das escolas técnicas, sem responsabilidade, nem cuidado, com a educação de base de 50 milhões de crianças em idade escolar. Todos os anos e meses, milhares entre os quase seis mil prefeitos ficam incapacitados de gastar o necessário com suas escolas municipais, mas o Brasil simplesmente ignora quando eles cortam gastos, até mesmo quando atrasam salários de professores. Até hoje, raras prefeituras conseguem pagar o pequeno salário definido pela lei nacional do Piso Salarial do Professor. Entre os estados, o governo do Rio Grande Norte é dos poucos que cumpre o Piso inclusive para os aposentados.
A União fez a Lei do Piso em 2008, mas não assumiu responsabilidade com o cumprimento do pagamento aos professores, porque são servidores municipais. O Brasil felizmente se preocupa com os gastos com as universidades e as escolas técnicas federais, sem preocupação com os gastos limitados nas escolas municipais onde estudam nossas crianças. O Brasil não dará um salto na educação de base enquanto a preocupação com o ensino superior for federal e com a educação de base for municipal; enquanto os universitários forem responsabilidade do presidente, e os alunos de base forem responsabilidade de seus prefeitos.
É como se o Ministério da Saúde cuidasse dos grandes hospitais e em cada estado e cada municipio as Secretárias da Saúde cuidassem das vacinas, do saneamento, do SUS. As escolas continuarão sem recursos suficientes e a qualidade das escolas será desigual. O futuro da criança continuará dependendo da renda de seus pais e do endereço onde mora, para usar a receita de seu município e as prioridades do seu prefeito.
Sem um sistema nacional de educação sob responsabilidade do governo federal continuaremos desperdiçando os cérebros de dezenas de milhões de crianças, simplesmente por causa da cidade onde vivem.
Para mudar isto e tratar cada criança como questão nacional, além de uma mudança geral na mentalidade brasileira em valorizar a educação de base, será preciso ter um ministério responsável por este setor educacional, e iniciar uma estratégia de adoção das escolas de base pelo governo federal, nos municípios sem condições de oferecer escola de qualidade a suas crianças. Isto vem sendo defendido por alguns, desde 2002, antes do inicio do primeiro governo Lula, mas poucos aceitam a sugestão, sem apresentar argumentos contrários convincentes.
Por que os estados têm suas univesidades, USP, UNESP, Unicamp nas secretarias de ciência e tecnologia, muitos países também têm esta estrutura, mas o Brasil não pode ter sua educação de base em um ministério próprio: o MEC com a educação das 50 milhões de crianças que representam o futuro do Brasil? Sacrificando o próprio ensino superior que hoje recebe alunos sem o preparo necessário para seguirem as carreiras que o governo federal lhes oferece depois de haver-lhes negado a educação de base necessária. (Blog do Noblat/Metrópoles – 04/12/2022)
Cristovam Buarque foi governador, senador e ministro