Marcus André Melo: A balbúrdia eleitoral

Por que o presidente Jair Bolsonaro promove ataques às urnas eletrônicas?

A balbúrdia em torno da urna eletrônica é puro Bolsonaro. Parafraseando Hofstader, no clássico “The Paranoid Style in American Politics”, de 1964, é exemplo do estilo paranoico. As eleições acabaram sendo uma das poucas questões em que ainda se pode fazer alarido. (O autoritarismo do STF é outra). Pode-se fingir que não é governo, é vítima.

A denúncia sobre uma conspiração no dia das eleições é consistente com um espírito antissistema, que tem se mostrado crucial para o sucesso eleitoral na nova onda populista global. Eis o Leitmotiv principal da investida denuncista. A balbúrdia poderia servir para mobilizar o núcleo duro de apoiadores; flexionar músculos visando eventuais retaliações futuras; e, não menos importante, monopolizar a agenda pública em torno do assunto. Mas há custos —não desprezíveis— que não foram antecipados. O saldo líquido é negativo.

Além do mais, a balbúrdia como estratégia é crescentemente não crível. Bolsonaro normalizou-se: a aliança com o centrão foi o núcleo vertebrador da transformação. Tudo o mais é consequência. A cacofonia é típica de outsiders que permaneceram por longo tempo periféricos em relação ao establishment que os excluía. Mas permanece como um elemento fora de lugar quando proferida por quem ocupa o poder, e que se metamorfoseou naquilo que criticava.

A guerra cultural e a campanha permanente em torno de agendas exóticas (e.g. anti-globalismo) perderam espaço. Temas comportamentais idem. Seus protagonistas —Weintraub, Sales, Araújo, Damares— esvaneceram-se. Com os militares, algo parecido: sua face pública resume-se ao Ministro da Defesa.

O centrão esforça-se para mostrar que Bolsonaro é um político como outro qualquer; a oposição maximalista que ele é um ditador-em-potência. E que mostrará sua face real no dia das eleições, no ato final; deflagrando o que nunca ocorrera em nenhum momento do mandato. Contra conspiração.

Mas o alerta de uma ameaça do ditador empalidece quando o presidente usa as armas da velha —aliás, velhíssima— política no afã de reeleger-se, ancorado em práticas escusas. Estas práticas e a inação do governo —na área orçamentária ambiental, educacional, cultura— é que constituem uma verdadeira ameaça. A ameaça da velha política.

E mais: a balbúrdia traz consequências, como mostrou trabalho recente sobre desconfiança pública em eleições contestadas na América Latina. Hernández-Huerta e Cantú (2022) utilizam experimentos e pesquisas com 100 mil respondentes, para concluir que a contestação de perdedores quanto aos resultados reduz a confiança de eleitores sobre a integridade das eleições. Como ocorreu antes com a Grande Corrupção. (Folha de S. Paulo – 08/08/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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