Luiz Carlos Azedo: Campanha começa hoje com foco no Sudeste

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.

O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.

Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação. Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.

Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foram nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.

Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.

Calmaria

Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, também moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.

Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensiva após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista. (Correio Braziliense – 16/08/2022)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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