Antes de adquirirem seus privilégios de consumo, os ricos e as classes médias dos países desenvolvidos enriqueceram a sociedade onde viviam. Enriqueceram, desempobrecendo o país. Puderam ser ricos depois de distribuírem renda e os serviços básicos à população. Para isso, investiram em educação, ciência, tecnologia, inovação, competitividade para aumentar a produtividade e a renda per capita. No Brasil, desde seu início, a elite preferiu adquirir privilégios concentrando renda, sem esperar aumento na produtividade e na renda social. Escolheu o caminho de concentrar a pouca renda de muitos para dar renda elevada a poucos: a riqueza com pobreza.
Graças a essa concentração, apesar da baixa renda per capita do país, nossa minoria rica sempre teve padrões de consumo e de serviços superiores às elites dos países desenvolvidos. Dispõem de moradias luxuosas, em áreas urbanizadas com recursos negados aos pobres, que vivem sem água, nem tratamento de esgoto. Os filhos estudam em escolas especiais, a custos que vão até 30 vezes mais do que os gastos do setor público com as crianças pobres. A riqueza brasileira foi construída sobre a pobreza, da mesma forma que até 1888 era sobre a escravidão, substituída pela apartação.
Para manter a opção de formar riqueza concentrando renda, o Brasil precisou manter sua sociedade dividida: de um lado os ricos, quase sempre brancos, de outro, os pobres separados por muros, catracas, crachás, contas bancárias. Sobretudo em escolas separadas, para perpetuar o vicioso círculo da pobreza que passa de pai para filho. Essa opção não dura para sempre. A desigualdade já obriga os ricos brasileiros a morarem fora do Brasil — verdadeiro ou no exterior.
A minoria privilegiada brasileira está tão viciada em seus padrões de vida que não adianta pedir-lhe sacrifícios para melhorar a vida dos mais pobres. Ao contrário, cada vez que fica difícil manter a desigualdade, no lugar de distribuir, opta por concentrar mais. Para se proteger, prefere a prisão de ouro dos condomínios fechados, no lugar de pagar mais impostos para colocar saneamento nos bairros; escolhe gastar fortunas em escolas privadas dos filhos, em vez de apoiar a implantação de um sistema público gratuito para todos; aceita ficar horas presos no trânsito, a financiar e usar transporte público de qualidade. Adora andar de metrô na Europa, mas aqui investe na infraestrutura viária para seguir nos carros privados com vidro fumê.
É preciso ajudar os ricos para que não se afoguem no excesso de riqueza. Ajudá-los a salvar seus filhos isolados do Brasil em condomínios fechados, escolas especiais, shoppings comerciais, mentes egoístas e imediatistas; dependendo de seguranças ou obrigando-os a emigrar para o exterior, perdendo o país deles. A maneira de salvar os ricos é elevar as condições educacionais de todas as crianças e com isso aumentar a produtividade para gerar renda social elevada e distribuí-la, conforme o talento e o esforço de cada pessoa.
Ajudar os ricos é convencê-los de que, com menos privilégios exclusivos, poderiam viver melhor em um país educado e com boa distribuição de renda: uma riqueza sem pobreza no lugar da atual riqueza graças à pobreza. Não precisarão viver confinados, nem emigrar. Ajudar os ricos é convencê-los de que escola de qualidade apenas para seus filhos não enriquece o país, porque cada cérebro sacrificado é um capital perdido para todos os brasileiros. A salvação dos ricos exige elevar a renda social graças ao aumento da produtividade na economia e distribuí-la com justiça. O caminho é educação de base para todos.
O vício da elite, ao longo dos 500 anos de escravidão, desenvolvimentismo, império, república, democracia e ditadura impedem entender que a distribuição de renda e o investimento em educação, saúde, transporte público elevariam a qualidade de vida dos próprios ricos. A elite não será convertida, moral ou politicamente, a perder privilégios que há séculos a viciou e cegou. Prefere o suicídio, naufragando nas ruínas sociais de um país mergulhado na pobreza e na injustiça, para manter a insustentável riqueza que deslumbra no presente, mas asfixia o presente. É preciso ajudar os ricos a serem egoístas-inteligentes, buscarem sustentabilidade para a riqueza, fazendo-os perceberem que serão mais ricos na proporção que a pobreza diminui. (Correio Braziliense – 09/08/2022)
Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação