Vinicius Torres Freire: O Brasil no início da crise dos ricos

O Sobrenatural de Almeida, os Elfos dos Mercados, as Fadas da Confiança e o tamanho da paulada nos juros americanos vão dizer se as economias centrais do mundo vão entrar em recessão neste segundo semestre de 2022.

Mas o mundo do dinheiro grosso lá fora já está nervosinho e tendo chiliques. Nessa situação, sempre sobra para nós, mais pobrinhos e burrinhos.

A gente acha que esses assuntos são esotéricos ou francamente tediosos, mas eles definem muito das nossas vidinhas. Mais especificamente, nos importa o preço das commodities (coisas como comida, minérios e petróleo), as quais o país vende aos montes, e a taxa de câmbio (o “preço do dólar”).

Depois de um período em que não aproveitamos de todo a maré alta das commodities, no último ano e meio, agora pode ser que percamos algum benefício da baixa de preços dessas mercadorias básicas.

Na alta, que em tese nos beneficia, tivemos dólar caro, o que não é costumeiro nessas situações, causando ainda mais inflação. Na baixa, podemos perder a renda extra com commodities e ainda ter um dólar caro (R$ 5,38, nesta terça-feira, ante a média de R$ 4,76 de abril).

Por ora, o que dá para ver no mundo rico além da névoa de suspeitas de recessão é o preço das commodities baixando um tanto desde meados de junho, além do consumo andando de lado ou caindo pelo menos desde março e de tropeços recentes nas encomendas para a indústria.

Em dólares, commodities relevantes já estão com preços menores do que aqueles de um pouco antes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em reais, muitas vezes não ou a baixa é menor, graças à desvalorização recente da moeda brasileira.

O dólar tem se valorizado ante quase todas as moedas relevantes do mundo. Nessas idas e vindas, a desvalorização do real é quase sempre maior, por motivos que não cabem nestas linhas (se é que alguém sabe mesmo o motivo, para falar francamente). Junte-se a isso a avacalhação sórdida do governo do país e temos esse real que não vale nada, pressionando a inflação.

Não está claro também até onde vai essa baixa relativa das commodities. Havendo recessão, não se sabe o tamanho do tombo. Gente sabida do mercado e da economia tem opiniões díspares. Bom não vai ser e, de resto, há risco de acidentes.

Uma alta de juros forte vai tornar críticos os excessos de endividamento? Gente graúda vai quebrar? Dado esse risco, os bancos centrais vão pisar fundo no acelerador de juros? Etc.

Por ora, o povo que atua nos mercados de commodities está saindo de fininho. Pode ser por causa de menos compras e também de menos especulação e uso de contratos com essas mercadorias como “hedge”, proteção contra inflação.

Os preços ainda estão salgados e as mudanças não são todas “estruturais”, dependentes das perspectivas sobre o crescimento da economia —o tempo ajudou e a previsão de safras de grãos básicos melhorou um tico, por exemplo.

Pelos últimos dados disponíveis e comparáveis (fim de junho), o preço do barril de petróleo está uns 36% maior do que no final de 2021. Os preços de diesel e gasolina no mercado que interessam para o Brasil ainda estão em alta de mais de 50%.

O resumo dessa ópera é que a economia mundial vai andar mais devagar, se não der para trás, sujeita a trovoadas e raios. Isso quer dizer commodities mais baratas (exportações vão render relativamente menos) e outros efeitos indiretos do desaquecimento global por aqui. O dólar está em alta pelo mundo inteiro e sabe-se lá que tapa extra para cima a política nacional pode dar na taxa de câmbio.

Sim, o nosso crescimentozinho tem se segurado até agora. Mas convém olhar pela janela para ver o tempo fechando lá fora. (Folha de S. Paulo – 06/07/2022)

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