William Waack: Passado imaginário e futuro distante

Talvez os marqueteiros consigam encontrar a “faísca” para as campanhas, mas Lula e Bolsonaro se dedicaram até aqui à improvisação. As falas dos dois líderes nas pesquisas seguem, por enquanto, aquilo que cada um acha que funciona, e são dirigidas sobretudo aos já convertidos. Obedecem claramente às respectivas intuições.

Curioso notar que dentro das duas campanhas há dúvidas sobre a eficácia das falas de ambos, tidos pelos respectivos seguidores como infalíveis. Os profissionais da política no Centrão queixam-se de que os ímpetos antidemocráticos por parte de Bolsonaro não estão trazendo benefícios eleitorais. Mesmo considerando o fato de que acusar o STF de impedi-lo de governar, e de favorecer o adversário, encontre forte ressonância muito além do bolsonarismo raiz.

Os profissionais de campanha do PT confessam que faria bem a Lula uma “tutela” – que ele recusa – quanto ao uso de temas de apelo restrito a círculos de esquerda universitários. Para não falar da utilização das ferramentas digitais, nas quais o bolsonarismo está ganhando do lulopetismo. Ser velho na política não é necessariamente um fator negativo, mas os conselheiros políticos de Lula (aliás, vários ao redor dos 70 anos de idade) dizem em particular que ele por vezes soa desgastado.

Ocorre que Lula e Bolsonaro chegaram a um ponto na trajetória de vida política e pessoal no qual ficou difícil que ouçam conselhos. Ou que possam ser “reinventados” por algum marqueteiro genial.

Por sabedoria política, intuição, preguiça mental ou circunstâncias que mudam em questão de horas (ressonância nas redes sociais), ambos têm se esquivado de qualquer debate abrangente ou de profundidade. Era um fato inevitável diante da principal característica na qual afundou a eleição de outubro: cada um dos dois principais personagens assumiu a mesma postura de ser “o bem” contra “o mal”.

Lula pode se dar ao luxo de parecer pouco focado e sem a preocupação de postular novas ideias em qualquer setor. Os ventos que o empurram são poderosos, embora não o controlem: é o sentimento geral de que a vida está piorando, carestia aumentando, sem que o governo tivesse encontrado até aqui um paliativo convincente mesmo arrebentando a boca do cofre ou dominando redes sociais – prova de que a popularidade digital não é igual a popularidade na vida real.

O grande quadro é que permite ao favorito nas eleições defender a volta a um passado que é pura imaginação. Seu adversário, correndo o risco de perder já no primeiro turno, oferece um futuro que deixou mais distante. (O Estado de S. Paulo – 02/06/2022)

William Waack, jornalista e apresentador do Jornal da CNN

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