Vera Magalhães: ‘Alô, alô, marciano!’: Bolsonaro em pânico

À medida que vê o corredor à sua frente se estreitar, Jair Bolsonaro dá mais sinais de pânico mal dissimulado, roubando o diagnóstico sempre preciso de Caetano Veloso.

Todas as promessas fake que esquadrinhei neste espaço na semana passada vão caindo por terra: com cara acabrunhada, o presidente em desespero admitiu que não haverá reajuste dos servidores no final das contas. Quem sabe em 2023, pessoal?

Para tentar operar alguma mágica que baixe o preço dos combustíveis, arrancou a fórceps uma fórmula que Paulo Guedes, mais desnorteado que o chefe, não sabe se custará R$ 25 bilhões ou R$ 50 bilhões. Tudo bem, para um governo que não planeja e que já mandou às favas qualquer escrúpulo liberal que um dia tenha tido, algo custar um tanto ou seu dobro é o de menos.

A tal compensação, que ninguém sabe quanto custará aos estados que aceitem comprar um terreno na Lua — ou em Marte, já que o presidente também anda ameaçando prender marcianos por aí —, não se sabe também quando nem como será paga.

É sempre didático fazer um exercício com o (e)leitor: se fosse Guido Mantega a dizer que algo pode custar entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, que nome isso ganharia? Populismo fiscal, heterodoxia, nova matriz econômica, pedalada. Pois é o mesmo. Guedes exercita toda essa nomenclatura todos os dias.

Se fosse Dilma que perguntasse a convidados de uma solenidade no Palácio do Planalto se ela poderia prender um marciano, isso viraria meme, figurinha, clipe no YouTube, esquete de grupos de humor.

No desespero apoplético em que se encontra, Bolsonaro é ainda mais perigoso. Na semana passada, cantou vitória diante da mãozinha que seu indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, deu para tentar anular uma importante jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral contra a propagação de fake news. Não quaisquer fake news: aquelas destinadas a descredenciar o processo eletrônico de votação. A decisão do TSE era de outubro de 2021. Mas a liminar de Kassio veio um dia depois de Alexandre de Moraes falar da importância da jurisprudência.

Restabelecida a decisão graças a um cerco feito pela maioria do STF, a que a dupla Nunes Marques e André Mendonça ainda tentou se opor, mas se viu vencida, Bolsonaro estrebuchou como nunca antes.

Disse que foi-se o tempo em que cumpria decisões do STF. Apenas escancarou sua real intenção ao conceder um inédito indulto individual a um aliado que atentou contra o Estado Democrático de Direito. Mais grave: deixou claro o muito que ainda é capaz de fazer daqui por diante.

O presidente não deixará que as eleições transcorram em normalidade. Tumultuará todas as fases: convenções, debates, campanha nas redes e, principalmente, votação, apuração e transição.

Agora, diante da possibilidade concreta de ser derrotado pelo ex-presidente Lula ainda no primeiro turno, lança a narrativa segundo a qual qualquer resultado que não seja sua própria vitória antecipada terá sido fraude.

Diante desses ataques cada vez mais destemperados, ministros do STF, senadores e candidatos avaliam que o período crítico de caos institucional se dará entre 2 de outubro, dia do primeiro turno, e a posse do futuro presidente.

Ninguém acredita que ele terá sucesso no golpe que delira implementar. Não haverá apoio popular ou da mídia, internacional e empresarial, essenciais em 1964, última ruptura democrática que houve no Brasil. O protagonismo militar de então ainda é uma incógnita agora. Principalmente porque os generais deverão olhar para esses outros atores ausentes da equação e entender o grau de aventura que seria dar guarida à sanha golpista de Bolsonaro.

Restará a ele tentar prender um marciano quando fracassar sua versão tropical da invasão do Capitólio. (O Globo – 08/06/2022)

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