O voto útil é um subtipo de voto estratégico.
Nele o eleitor(a) não quer “desperdiçar o voto”: se sua primeira preferência não tem chance de vitória, acaba optando pela que rejeita menos entre aquelas com mais chances.
Há outros subtipos:
- Voto em partidos pequenos para que logrem atingir cláusulas de barreira, viabilizando coalizões de governo lideradas por partidos grandes que sejam a primeira preferência do eleitor (ex., Alemanha: eleitores do CSU/CDU que votam no FDP).
- Voto em adversário mais fraco no primeiro turno, que seria mais facilmente derrotado pelo candidato de primeira preferência no segundo.
- Voto em opções rivais buscando sinalizar insatisfação com o partido de primeira preferência que já tenha eleição garantida (ex., França, como mostrou Piketty, que formalizou o argumento).
O voto estratégico acontece assim sob qualquer regra eleitoral e para diferentes tipos de eleições e sistemas de governo. Ele tem duas características básicas: nele o eleitor não vota na sua primeira preferência (quando o faz, o voto é “sincero”, no jargão) e age levando em conta o resultado final. O voto estratégico caracteriza apenas o segmento que tem preferência por “partidos não viáveis” (todas as opções fora os dois contendores principais).
Nessa perspectiva, na ausência de um candidato da terceira via, o voto estratégico caracterizaria o universo dos eleitores que não têm Lula ou Bolsonaro como primeira opção. A chapa Tebet/Tasso, que surgiu por default, não por concertação, muda radicalmente o cenário do primeiro turno.
Esse segmento, estimado em 27% do eleitorado em abril de 2021, deixaria de votar estrategicamente e passaria a votar “sinceramente”. Polarizações tripolares não são incomuns. Sartori fez estudo clássico sobre elas no pós-Guerra.
A questão fundamental então é se o crescimento nas pesquisas das duas candidaturas e a consequente desidratação do segmento revela consolidação do voto ou reflete o comportamento estratégico dos eleitores. E mais importante: se haverá reversão para o voto “sincero”.
Análises comparativas mostram que o voto estratégico será tanto maior quanto mais acirrado o pleito, porque cria incentivos para que o eleitor possa influenciar o resultado.
O efeito da intensificação da polarização, no entanto, dependerá da localização dos eleitores na distribuição de preferências (se nos polos ou no centro): para eleitores centristas, aumentará o custo psicológico de mudar o voto.
Quanto mais afastados os polos do centro (mediana), maior o custo. Dada a natureza afetiva da polarização, a dupla rejeição das alternativas —mais que aspectos programáticos— terá papel crucial para a chapa. (Folha de S. Paulo – 27/06/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)