Críticas às urnas denotam receio com solidez da candidatura
Antes mesmo de emergir na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) o caso do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini, do União Brasil do Paraná, era crescente a apreensão daqueles que monitoram a voltagem das relações entre o Executivo e o Judiciário.
São frequentes os curtos-circuitos, quase sempre provocados pela elevação da tensão por parte do presidente Jair Bolsonaro, embora também seja preciso observar as movimentações do outro lado da Praça dos Três Poderes.
Foi-se o tempo em que integrantes da cúpula do Judiciário diziam que o conceito de “crise institucional” era uma criação artificial de quem não compreendia a função do STF. Sob essa ótica, eventuais atritos seriam naturais em razão da Corte analisar, quando provocada, possíveis inconstitucionalidades nas propostas aprovadas pelo Parlamento e atos do Executivo. Uma visão que acabou sendo subjugada pela dinâmica criada pelo presidente em sua interação com os demais Poderes.
Por isso surpreendeu, positivamente, a decisão do presidente do Supremo, Luiz Fux, de retirar do plenário o julgamento sobre o marco temporal das terras indígenas. A análise seria retomada no dia 23 de junho, mas agora só deve retornar à mesa depois das eleições.
A solução saiu melhor do que o esperado. No meio militar, a torcida era para que um pedido de vista adiasse o julgamento.
Essa saída, contudo, inevitavelmente geraria desgaste político para o ministro que assumisse a missão. E o mais provável era que esta recaísse sobre a toga do ministro André Mendonça, uma vez que o outro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a Corte, Kassio Nunes Marques, já tinha apresentado seu voto.
Tudo indicava que Nunes Marques seria derrotado, possivelmente com a companhia de Mendonça. Uma nova crise, dada como certa.
O julgamento no plenário começou em agosto do ano passado, e foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar estava um a um: Edson Fachin, relator do processo, havia sido contrário ao marco temporal, enquanto Nunes Marques defendera que a decisão do STF no julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em que ele fora adotado, deveria prevalecer.
O tema é complexo. Merece ser analisado com cautela, algo que não tem como ocorrer em meio à campanha eleitoral.
Defendido por ruralistas e pelo governo federal, o chamado marco temporal estabelece que os povos originários só podem reivindicar territórios que já estavam ocupados por eles até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Para esse lado da disputa, seria o melhor instrumento para dar segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade às atividades econômicas – e às relações sociais – em áreas com potenciais conflitos.
Ambientalistas, indigenistas e a Procuradoria-Geral da República (PGR) rechaçam a tese. Até porque muitas comunidades indígenas não estavam na posse das suas terras quando a Constituição foi promulgada justamente porque haviam sido expulsas. Nesse sentido, não haveria como se falar em um prazo para a proteção dos povos originários, seu modo de vida e cultura. A derrota do governo era dada como certa.
O que mais preocupava setores das Forças Armadas eram as potenciais conturbações sociais nas regiões afetadas pela decisão. A situação poderia ficar ainda mais delicada se o presidente cumprisse a promessa que vinha fazendo a ruralistas e à sua base eleitoral: por mais de uma vez ele sinalizou que não respeitaria uma decisão do STF que reconhecesse o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. E voltou a dizer isso no último discurso que fez no Palácio do Planalto, o qual chamou atenção pelo seu nervosismo.
Isso tudo num momento em que nem estava no radar a angustiante notícia do desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal britânico “The Guardian”. Eles estavam no Vale do Javari, na Amazônia, numa área conhecida pela concentração de povos isolados e pela atuação de grupos criminosos invasores. Até agora não foram encontrados.
Outra data aguardada com atenção é o dia 20, quando ocorrerá a próxima reunião da Comissão de Transparência das Eleições (CTE) criada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Representantes do governo argumentam não saber exatamente qual a pauta do encontro. Apontam o risco de ocorrer algum tipo de desentendimento entre os participantes, depois dos recentes atritos entre o Ministério da Defesa e o TSE. Além disso, causou desconforto entre autoridades do governo as recentes reuniões do presidente do tribunal, Edson Fachin, com embaixadores e líderes religiosos.
Soma-se, agora, a decisão da Segunda Turma do STF em relação a Francischini. Uma punição que pode servir de exemplo para futuras ações desse mesmo tipo, eventualmente até mesmo contra o próprio Bolsonaro.
Aliado de primeira hora do chefe do Poder Executivo, o deputado estadual teve o mandato cassado pelo TSE porque declarou em uma transmissão na internet que as urnas haviam sido fraudadas para impedir a vitória de Bolsonaro. A mentira foi dita numa “live” no dia do primeiro turno das eleições de 2018.
Mas, não é só isso que atordoa o presidente. Seus aliados no Congresso têm demonstrado grande preocupação com os resultados das pesquisas eleitorais, e pressionam para que a campanha seja levada a sério.
Eles podem até concordar com as críticas aos rumos do julgamento do marco temporal, tema sensível para a bancada ruralista. Ou temer a amplitude do alcance que a decisão sobre Francischini pode vir a ter.
No entanto, existe no Centrão um incômodo com a sua insistência em criticar as urnas eletrônicas e um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido. O temor é que se cristalize a imagem segundo a qual Bolsonaro está com medo de perder. (Valor Econômico – 08/06/2022)