Durante 199 anos a festa foi de todos
O repórter Lauro Jardim deu uma pequena notícia ruim que reflete o tamanho do atraso em que o Brasil está metido. Os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão tomando providências para proteger os dois prédios no dia 7 de setembro. O ministro Luiz Fux coordenou a formação de três anéis de proteção e, no dia do Bicentenário da Independência, isolará uma área de 1,5 quilômetro de raio. Ele teme a repetição das provocações do ano passado, quando caminhoneiros furaram o bloqueio da Esplanada dos Ministérios. Caravanas de ônibus levaram manifestantes que criticavam o tribunal e defendiam a cloroquina.
Na manhã do dia 7, Jair Bolsonaro discursou na Esplanada e ameaçou:
— Ou o chefe desse Poder enquadra o seu (ministro do STF) ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos.
À tarde, na Avenida Paulista, foi adiante:
— Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. (…) Sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro.
Há 200 anos, o 7 de Setembro é uma festa de todos. Não tem o clima festivo do 14 de Julho francês nem do 4 de Julho americano, mas nenhum governo fez do 7 de Setembro um dia de vulgar mobilização partidária e divisiva.
As ditaduras promoviam patriotas, sempre com algum conteúdo cívico. Há um século, o presidente Epitácio Pessoa trabalhou e comemorou o Centenário com uma grande exposição internacional, congressos e visitas ilustres. Em São Paulo, inaugurou-se o monumental Museu do Ipiranga, com seus jardins. Cinquenta anos depois, o presidente Emílio Médici passeou pelo país os restos mortais de Dom Pedro I e promoveu uma dezena de louváveis iniciativas culturais.
Em plena ditadura, Médici fez do 7 de Setembro um dia de congraçamento. Segundo o Ibope, 84% dos brasileiros diziam-se satisfeitos com a situação do país. O presidente cavalgava a própria popularidade, mas cortou as manobras que lhe permitiriam uma reeleição. No dia 6, proibiu-se a transcrição do decreto de Dom Pedro abolindo a censura.
(Durante o mês de setembro de 1972, no Araguaia, a ditadura matou pelo menos nove militantes do PCdoB, e os guerrilheiros mataram um sargento e um camponês. No Rio, foi morto um bancário durante um assalto a banco na Penha.)
A essência do 7 de Setembro divisivo de 2022 partiu do Planalto. Pena que este mesmo governo não tenha feito da data um momento de reflexão histórica. Salvo uns poucos eventos de abnegados, o Bicentenário da Independência será lembrado pela reinauguração do Museu do Ipiranga, obra de governos paulistas, com a ajuda de empresários, valorizada por João Doria.
Pelo menos nesse evento, os brasileiros estarão juntos, tendo o que festejar, pois o museu foi reerguido depois de décadas de decadência. Bolsonaro, seus ministros da Educação e secretários de Cultura reclamam da influência esquerdista nos currículos. A celebração de personagens e datas é uma das joias do pensamento conservador, e no Centenário a República Velha deu ao país o Museu do Ipiranga. Felizmente o museu será devolvido ao público.
Como ensinava Sérgio Buarque de Holanda, conservador é uma coisa, atrasado é outra. (O Globo – 29/06/2022)