Fernando Exman: As prioridades de Bolsonaro na educação

Enquanto o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro era levado na quarta-feira passada para a carceragem da Polícia Federal, as preocupações do presidente Jair Bolsonaro em relação ao MEC iam além do escândalo envolvendo a pasta.

O governo corria contra o tempo para não perder o prazo de análise do Projeto de Lei 184, de 2017, proposta sensível para os bolsonaristas mais ideológicos e que cerca de três semanas antes havia sido aprovada pelo Congresso.

O projeto passou sem chamar atenção no Senado e, como não foi modificado, seguiu direto para o Palácio do Planalto. Lá, optou-se pelo veto integral.

Apresentada pelo PT, a proposta tenta mudar a lei de diretrizes e bases da educação para atualizar a didática aplicada nas escolas do campo. Mais precisamente, sua intenção é permitir a adoção de conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às necessidades dessas unidades de ensino, “com a possibilidade de uso, dentre outras, da pedagogia da alternância”.

Ressalte-se: possibilidade. Ainda assim, ela foi mais uma vítima da polarização provocada por aqueles que, por questões ideológicas, preferem tentar impedir a implementação de políticas públicas das quais discordam a discutir os prós e contras dessas ações com profundidade.

Veio no “Diário Oficial da União” a justificativa do presidente. E citando fundamentação que lhe foi repassada pelo Ministério da Educação, explicou Bolsonaro: “A proposição legislativa contraria o interesse público e incorre em vício de inconstitucionalidade ao substituir a expressão ‘escolas rurais’ pela expressão ‘escolas do campo’, de sentido mais restrito, pois estas se referem somente às escolas situadas em ambientes rurais e que se enquadram na modalidade de educação do campo, enquanto aquelas podem se enquadrar nas modalidades de educação do campo, de educação escolar indígena e de educação escolar quilombola”. O argumento nem de longe é consenso entre especialistas.

O despacho acrescenta que a “proposta de utilização da pedagogia da alternância nas escolas do campo retiraria a possibilidade de outras modalidades de educação” e, também, infringiria trecho da Constituição que estabelece a garantia de respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, na fixação dos currículos.

Guerra ideológica. No fim de 2020, ou seja, já durante o governo Bolsonaro, o Conselho Nacional de Educação (CNE), colegiado vinculado ao MEC, tratou do assunto com menos emoção. E reconheceu essa metodologia como uma realidade histórica no Brasil, a qual poderia, inclusive, ser replicada em comunidades urbanas – sobretudo aquelas com estudantes oriundos do campo, florestas, agrovilas e assentamentos.

Segundo a literatura especializada, a pedagogia da alternância surgiu na França em 1935 e tem como origem a interação entre famílias rurais, o sindicato e religiosos. Eles buscavam o desenvolvimento de uma metodologia integral de educação para as crianças, uma forma que reunisse, a partir da realidade local, ensinamentos teóricos e práticos.

Especialistas apontam que a pedagogia da alternância chegou ao Brasil em 1968, no Espírito Santo, e pela atuação de um padre jesuíta. Era um momento em que movimentos sociais eram reprimidos pela ditadura. Mas ainda hoje ela é aplicada em alguns lugares, normalmente identificada por seu foco nas atividades agropecuárias desenvolvidas por famílias em pequenas propriedades e o estímulo ao desenvolvimento sustentável de áreas rurais. Em outras palavras, o equilíbrio entre as atividades agrárias, a saúde de quem as pratica e o meio ambiente. Algo que tem sido cada vez mais valorizado mundo afora, mas está fora de moda desde 2019 no Brasil.

Por ironia, esse método defende que o aluno permaneça, por exemplo, duas semanas em sistema de internato, na sede da escola, e a outra quinzena com a família no meio em que vive. Neste período, segundo a prática inicial francesa, os pais se responsabilizavam pelo acompanhamento das atividades dos filhos. Ou seja, a ideia foi vetada justamente por aqueles que defendem o “homeschooling”.

Ainda na semana passada, mas já na quinta-feira, outra notícia vinda do Planalto foi lamentada pelos profissionais da educação. Pouco depois de Bolsonaro dizer em uma “live” que se arrependia de ter afirmado que colocava a cara no fogo por Milton Ribeiro (mas ainda colocaria a mão no fogo por seu ex-auxiliar), informou-se que o presidente vetara outro dispositivo considerado fundamental por aqueles que querem assegurar as verbas do setor.

Desta vez, o veto era de um trecho do projeto que estabeleceu um teto de 17% ou 18% para a cobrança do ICMS que incide sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes coletivos. Justamente aquele que garantia a disponibilidade financeira para que os mínimos constitucionais em saúde e em educação sejam mantidos, o que incluiria os recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb). A frente parlamentar da educação se mobiliza para derrubar os dois vetos.

Este é o retrato de um governo que ficará conhecido pelo desleixo com o qual tratou a educação.

Após a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018, militares e acadêmicos que trabalharam na elaboração do programa de governo foram surpreendidos com a notícia de que o professor de filosofia Olavo de Carvalho indicaria o Ministro da Educação.

Mas nem com a demissão de Ricardo Vélez Rodríguez eles conseguiram assumir a pasta, que passou para as mãos da ala ideológica com a nomeação de Abraham Weintraub. E depois foi a vez dos evangélicos tomarem o comando do MEC, com Milton Ribeiro e companhia fazendo o que acabou virando assunto de polícia. Já o atual ministro fez carreira na Controladoria-Geral da União (CGU).

Vê-se, pela linha do tempo, como foi mudando a prioridade em relação a uma das pastas mais estratégicas para qualquer país que leve minimamente a sério o próprio futuro. Na campanha, Bolsonaro só deve ter uma realização a apresentar na área: a renegociação de dívidas estudantis do Fies, uma tentativa de se contrapor às administrações de Lula. (Valor Econômico – 29/06/2022)

Fernando Exman é chefe da redação do Valor Econômico, em Brasília

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