Merval Pereira: Uma volta ao passado

Há um quê de paradoxal nas atitudes do presidente Jair Bolsonaro em busca dos votos que lhe faltam para ser reeleito. Está criando uma crise econômica e institucional que tornará ingovernável o país que pretende manter sob seu controle. Parece até que a intenção inconsciente é quebrar o Brasil caso tenha de entregar a faixa presidencial a um sucessor. Figura de linguagem, claro, porque tudo indica que Bolsonaro não entregará a faixa a ninguém, como fez o general João Figueiredo, muito menos ao ex-presidente Lula.

Está aí o paradoxo: ganhar pelas próprias mãos um país em crise institucional e econômica ou perder e deixar para o sucessor uma terra arrasada. Essa mesma terra arrasada que caberá a ele governar se conseguir reverter o quadro eleitoral. Semelhante ao que aconteceu com Lula, que tomou medidas temerárias para eleger Dilma Rousseff sua sucessora e iniciou a crise econômica em que estamos até hoje.

Na encarnação anterior à Lei de Responsabilidade Fiscal, esse paradoxo era muito corriqueiro. O incumbente deixava dívidas para trás, em situações mais radicais até os móveis dos palácios eram estragados propositalmente. Há casos famosos, como o governador de Alagoas Silvestre Péricles, que sujou as paredes do Palácio Floriano Peixoto com excrementos para recepcionar o adversário que ocuparia seu lugar, Arnon de Mello, pai do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello.

Ficou para a História a frase do então governador de São Paulo, Orestes Quércia, ao eleger Luiz Antônio Fleury como seu sucessor no governo do estado: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu candidato”. Por essas e por outras, o país quebrou várias vezes e sofreu com uma hiperinflação, situação que havíamos superado com o Plano Real. Já não temos mais bancos regionais que possam financiar campanhas políticas, mas ainda há bancos como o Banco de Brasília, que financia mansões no Lago Sul a juros módicos para políticos influentes.

Há muito tempo não se via no país um governo tão disfuncional quanto este, que utiliza métodos regressores de fazer política, assim como leva setores fundamentais do país a retrocessos inimagináveis. Bolsonaro dedica-se diuturnamente a implodir nossas estruturas institucionais e agora, em busca de uma reeleição a cada dia mais improvável, demole a frágil construção montada para garantir o equilíbrio fiscal.

O teto de gastos já foi para o buraco, os gastos populistas em busca de votos já fizeram rombos contabilizados: ampliação do Auxílio Brasil — aumento de R$ 56 bilhões em relação ao orçamento do Bolsa Família; auxílio-gás — R$ 1,9 bilhão; renúncia fiscal com isenção dos tributos federais do diesel, gás e redução linear do IPI — R$ 43,3 bilhões; novo pacote de redução tributária sobre combustíveis (compensação de ICMS dos estados e zerar tributos federais sobre etanol e gasolina até o fim do ano) —até R$ 50 bilhões.

Como muitos desses gastos são inconstitucionais, pois estamos às vésperas das eleições de outubro, o presidente editou mais uma gambiarra, um decreto que dá poderes à Advocacia-Geral da União (AGU) para opinar, ainda durante a elaboração, se atos do governo ferem a legislação eleitoral. Em outras palavras, a AGU orientará o governo e os políticos sobre como adotar medidas escapando da legislação eleitoral que proíbe criar e ampliar benefícios sociais no ano da eleição — medidas como a criação do auxílio para caminhoneiros ou a ampliação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, em discussão no Congresso.

Como sempre, usando Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o governo quer utilizar R$ 22 bilhões para o aumento do Auxílio Brasil e para viabilizar o pagamento de um vale-diesel de R$ 1.000 a 900 mil caminhoneiros. Sempre mais gulosos à medida que a campanha sai diferente do que planejavam, os políticos do Centrão buscam novas medidas, como estender o vale-diesel aos carros que circulem nas cidades movidos a diesel.

A esta altura, o Centrão está mais dedicado a aumentar sua bancada na Câmara e no Senado do que propriamente a eleger Bolsonaro. Tanto que, em alguns estados, já começam a aparecer coligações informais de partidos do Centrão com o PT de Lula. Técnicos do Senado montam parecer para orientar o relator da PEC, senador Fernando Bezerra, a superar os obstáculos legais às medidas, agora auxiliado pela AGU. O uso de PECs para tentar superar a inconstitucionalidade de certas medidas é um hábito de Bolsonaro, o que acaba tornando o Supremo Tribunal Federal (STF) a última barreira às pretensões do governo. (O Globo – 28/06/2022)

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