Vinicius Torres Freire: Estelionato eleitoral e impostos

Até o final da semana, podem aparecer umas contas de dezenas de bilhões de reais para governo federal, estados e municípios. Como e quem vai pagar? No ano que vem a gente pensa nisso. Não importa se aparecer de novo governo estadual ainda mais quebrado, se não houver dinheiro para renda mínima para pobres, se a ciência e as universidades forem de vez para a lata de lixo ou coisa ainda pior.

O Congresso está em fúria legiferante tributária como poucas vezes se viu em período de “esforço concentrado”, quando se aprovam baciadas de leis pouco antes de campanhas eleitorais. Tem de tudo, em geral medida aloprada, incompetência e favores —e até mesmo coisa que pode prestar.

Estão em discussão:

1) Refis para médias e grandes empresas e pessoas físicas (renegociação e/ou perdão de dívidas de impostos). Dá em mais dívida pública e é incentivo para que não se paguem impostos em dia;

2) mudança na tabela do IR (mais gente pagaria menos Imposto de Renda). Jair Bolsonaro prometeu em 2018, perdeu o prazo legal e, agora, o Congresso governista ou demagogo em geral que fazer a mudança de qualquer jeito;

3) mudança de impostos sobre lucros e dividendos de empresas (aquela reforma tributária que estava na gaveta);

4) redução de ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, comunicações e transportes, que tira dinheiro de estados, cidades e do Fundeb (o fundão geral que uniformiza o gasto com educação de estados e municípios);

5) uso das receitas do governo federal com petróleo etc. para compensar perdas de estados e municípios com a redução do ICMS, mexendo no teto de gastos (vide item anterior);

6) aumento de imposto federal sobre petroleiras, também para reduzir o custo de combustíveis, mas não se sabe bem para onde iria o dinheiro (compensação de estados e municípios? Subsídio federal para combustíveis?);

7) devolução para os consumidores de cobrança indevida de imposto federal sobre a conta de luz, o que é correto, mas, feito de uma vez, vai custar pelo menos R$ 50 bilhões, sem que esteja claro onde vai parar essa conta;

8) lei que obriga a Petrobras a explicitar como é formado o preço de seus produtos e, talvez, a limitar sua margem (o extra sobre o custo de produção).

Não dá para ser mais preciso porque o Congresso tratava os projetos em ritmo de “barata avoa”. Não havia textos legais para ler ou pensar. De resto, nas madrugadas de Arthur Lira (PP-AL), todos os projetos são pardos e sabe-se lá o que será votado ou como.

No final das contas, podem aparecer tabelamentos de preços, intervenções em empresas, subsídios, favores, renúncia de receita e aumentos de dívida de dezenas de bilhões.

A curto prazo pode até aparecer algum efeito em preços. Mas, note-se de passagem, um exemplo só: a fim de reduzir o preço de gasolina e diesel em R$ 1 por um ano, seria preciso gastar mais de R$ 100 bilhões (o que não impediria novos reajustes). Ou vão abrir buraco grande no cofre do governo ou o troço não vai fazer efeito.

“As consequências vêm depois”, como diz a piada. A lambança com as contas públicas tem efeitos funestos (foi um dos motivos da Grande Recessão de 2015-2016).

Reforma tributária a sério é assunto que causa tédio e é terrivelmente complicado. Sem tal mudança, não vamos ter economia que funcione. Não vai adiante porque envolve interesses empresariais pesados, que acabam paralisando um Congresso em geral negocista e liderado por ignorantes espertos. Agora, podem aprovar uma mixórdia de mudanças.

Na confusão, saqueia-se o governo. No fim, a conta cai no couro dos pobres de um país que parou de crescer, o Peter Pan da miséria. (Folha de S. Paulo – 02/06/2022)

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